Filho, vem de Portugal o mito do "diabinho da garrafa", ou do "cramulhão", que acabou ganhando vida e novos contornos no Nordeste brasileiro. Segundo ele, depois de seguir um ritual macabro com ovo de galinha, é possível fazer dele nascer um pequeno "demônio de estimação", que deve ser aprisionado pela pessoa em uma garrafa e alimentado com sangue. Esse serzinho diabólico torna a pessoa rica e poderosa, mas, no final da vida, leva sua alma direto para o inferno como pagamento.
Como de toda lenda, podemos tirar motivos de reflexão. Você conhecerá pessoas que cultivam seus "cramulhões de estimação" em troca de uma série de comodidades: dinheiro, fama e até "tranquilidade". Os alimentam com seu próprio "sangue": sua saúde, seu tempo, mesmo seu caráter, que deixam corroer para que eles não saiam da "garrafa". Acreditam, com isso, que o pequeno demônio lhes será fiel ou, ao menos, lhes respeitará por algum tipo de gratidão por o terem alimentado. Ledo engano. O preço final é sempre altíssimo: eles farão por seus "donos" sempre algo pior do que fizeram, com a conivência deles, aos outros.
No fim da vida, filho, o cramulhão sempre cobra o preço capital: a alma. Mas, ao contrário da história popular, ele não é um sequestro relâmpago, é um processo em que a alma vai sendo corroída sem sentir. Mais tarde um pouco - não necessariamente na morte -, nada mais dela resta e a dívida está automaticamente paga. Cada moeda, cada concessão ética feita, é sangue pingado na boca do diabinho, que o faz crescer. Ele se voltará contra o dono, devorará o dedo que vai pingar sangue em sua boca e o matará, mais cedo ou mais tarde.
Sobre seus princípios seja inflexível. Deixe suas "garrafas" limpas e tampadas para que não seja surpreendido, um dia, com um demoniozinho que se apossou dela e que garantirá a você que tomará conta com todo carinho e ainda te dando "presentinhos". O preço da flexibilidade moral é a decrepitude interior. Cuidado!