À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


sábado, 19 de agosto de 2017

Ciclos

Filho querido, os antigos pensadores, em especial os orientais, enxergavam nossa existência como uma série de círculos (aliás, sua figura geométrica preferida hoje). O que são e como trabalhar com eles?


O corpo lida com alguns ciclos, sendo os básicos e já conhecidos:
  • O do ar: respire pelo nariz e expire pela boca. Faça respiração abdominal, não torácica.
  • O da água: beba água e urine várias vezes durante o dia. Se trabalhar em algo que te consuma atenção, tenha sempre consigo uma garrafa d'água.
  • O da comida: coma pouco e sempre, digira com tempo e defeque com calma. Ter horários fixos para café-da-manhã, almoço e janta ajuda.
  • O do sono: durma no silêncio e com a luz apagada. Seus hormônios são gerados e suas memórias organizadas nele.

Além deles, acrescento um, que é da alma:
  • O da felicidade: busque um momento feliz por dia e deixe que ele consuma alguns minutos do seu pensamento à noite. O coração acostumado a buscar felicidade jamais se congelará.

Para todos eles, do corpo e da alma, lembre-se:
  • O momento do ciclo precisa ser respeitado com presença genuína. Esteja consciente, sempre que possível, como exercício, a cada um deles.
  • Os ciclos precisam se fechar. Alguns levam segundos, outros séculos. Não importa. Mas eles precisam se fechar para terem sentido.
  • Não apresse nem atrase os ciclos artificialmente (este é um princípio taoísta conhecido como wu wei). Antes, conheça-os, respeite-os e trabalhe com eles, com serenidade.

No ciclo da vida, meu amor, a realização só encontra quem gira no compasso.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Olhe o caminho!

Meu filho, nossa vida é uma estrada com numerosos caminhos interiores que se sucedem e às vezes se interpolam. Em uns, você estará sozinho, em outros, acompanhado; em uns, decidido, em outros, vacilante; em uns, disposto, em outros, cansado; em uns, com o horizonte límpido, em outros, com a vista turva; uns serão planos, outros, subidas; uns darão prazer, outros, enfado. Como percorrê-los, então? Haverá fórmula?


Normalmente, como em tudo, observe os exemplos da vida cotidiana. Como você faz para caminhar na rua, instintivamente? Você olha, vezes mais, vezes menos, para 4 lugares: para frente, para o chão, para o lado e para trás. Faça o mesmo com os caminhos da alma:

  • Para frente: fixe seu objetivo. Vise o futuro. Mas cuidado: você será tentado a achar que as metas parciais são o objetivo final. Não são. Seu objetivo tem que ter a ver com seu progresso, seu aprendizado, sua vocação, seus talentos, seus princípios. Seu objetivo é inegociável. Quem não olha para a frente se perde.
  • Para o chão: saiba onde está pisando. Conheça o presente o melhor que puder para que você não viva só sonhando com o porvir. Quem não olha para o chão, tropeça.
  • Para o lado: conheça quem caminha verdadeiramente ao seu lado. Saiba diferenciar essas pessoas das sombras que elas projetam, falsas e fugidias, apenas para aurir benefícios. Dar a mão a uma sombra num momento de dificuldade fará com que você não tenha ponto de apoio. Quem não olha para o lado, não supera obstáculos.
  • Para trás: não se esqueça do que fez você chegar até ali, seu passado ativo. Encare-o, por pior que seja, com altivez, para que você não seja surpreendido por ele. Quem não olha para trás, é atropelado.

Mas não é suficiente: se você gastar seu tempo em apenas um ou dois deles, poderá não ter sucesso. Seus olhos do coração precisam se movimentar o tempo inteiro para que nenhuma visão te seduza a tal ponto de você perder as outras. O segredo está no equilíbrio para alcançar o timing preciso, para que você não se perca, nem tropece, nem se trave e nem seja atropelado.

Boa caminhada!

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Machucados

Filho, a não ser que você viva completamente isolado, duas coisas são certas: 1. você vai ser acusado de ferir outros corações; e 2. você vai se machucar com atitudes de outras pessoas. Toda vez que acontecer, reflita sobre o que seu pai te escreve aqui:


  • Às vezes, um abraço quieto consegue transmitir um pedido de desculpas muito melhor do que uma tese de motivos.
  • As feridas às vezes são inevitáveis. Ódio ou vingança não.
  • Todas as pessoas têm o direito de não gostar de você. Muitas vezes - você descobrirá - isso nada tem a ver você, mas com traumas profundos delas próprias. Se for o caso, não adianta tentar ajudar. Deixe-as consigo mesmas: elas encontrarão o caminho - sem você.
  • Você é responsável por falar a verdade, pedir desculpas se errou e buscar reparar seus erros. Você NÃO é responsável pelo que as outras pessoas fazem com isso. Aja, seja honesto, mas busque antes sua paz interior, sua consciência limpa. Algumas coisas estão fora do seu alcance.
  • Não deixe a injustiça das outras pessoas te ferir - isso é um problema delas com Deus.
  • Não insista em falar ou se explicar se as outras pessoas não querem te ouvir ou nada fazem com aquilo que já ouviram mais de uma vez.
  • Não deixe culpa se transformar em tristeza. Faça com que ela se torne ação.
  • A combinação silêncio + tempo é poderosíssima para quem tem o coração tranquilo. Use-a.

Faça com os ferimentos do coração o que se recomenda com os do corpo: higienize-os - tire deles quaisquer pensamentos inferiores -, deixe-os abertos - não os ignore, olhe para eles com respeito - e dê tempo para que sarem - sem se inquietar com isso.

E, por fim, mantenha caninamente seu compromisso com seus princípios éticos. Eles não podem depender da atitude de ninguém e nem do seu humor, senão são apenas conveniência social, não são valores reais. As feridas não podem nunca mudar, nem por um segundo, o que você é.

Cure-se sempre e ajude a curar sempre que puder. Você sempre sairá mais forte. Não é a ausência de ferimentos que faz um ser humano progredir: é o que se aprende com eles.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Deus

Meu filho, jamais existiu na História uma sociedade primordialmente composta por ateus. Parece existir nos povos de todas as épocas, culturas e costumes, tão diferentes entre si, algo surpreendentemente comum: uma tendência coletiva à aceitação da existência de um ou mais deuses.


É claro que há uma diversidade natural nas formas de se expressar essa ideia inata, todas elas compatíveis com o próprio progresso do pensamento e da Ciência. Quanto maior o grau de ignorância do funcionamento das coisas, maior o materialismo e a humanidade desse Ser Supremo sobre a vida cotidiana: deuses-animais, deuses-sentimentos, deuses-vingadores, deuses-humanos, deuses-favorecedores, etc. O mais interessante é que, com o tempo, ao invés de a ideia de um Criador se desfazer, como ocorreu com milhares de outras, ela se fortalece, mas se transformando, se reinventando, se desmaterializando, se purificando.

Hoje convivemos com diferentes graus de crença (ou descrença) nesse Arquiteto do Universo. Você deve respeitá-las todas. A sua, qualquer que seja, não é nem melhor nem pior, nem mais nem menos óbvia, nem mais nem menos inteligente, nem mais nem menos digna, do que qualquer outra. Posta esta primeira instrução, passo a listar alguns pensamentos meus sobre o tema para você:

  • Fé não faz de ninguém melhor do que o outro. Ação sim. Verdadeira. Genuína. Consciente.
  • Não perca a oportunidade de contemplar a beleza da vida. Essa reflexão com sentimento lhe trará algumas algumas respostas que nem a vida inteira de pensamento poderá lhe dar.
  • Se sua crença se cristalizar em algo fácil, volte. Você pegou um atalho que não leva a lugar nenhum. Se te levar a uma separação de seres humanos com base em exterioridades, pior ainda. Corra para longe dali rápido: você, além de perdido, está ameaçado.
  • Provar ou não a existência de um Ente Criador é um exercício de elucubração, mas não leva a nenhum resultado prático satisfatório. Muitos filósofos dedicaram muito esforço a isso e sempre se escolhe aquele de maior agrado ao que se quer, sem qualquer conclusão. O entendimento de uma realidade supra-humana só pode ser alcançado com inteligência supra-humana. Não é através do intelecto que se avança depois de determinado ponto.
  • Se não se pode saber o que Ele É, com certeza se pode saber o que não é por impossibilidade de coerência. Retire de sua concepção do Divino qualquer aspecto humano. Não o admita ciumento, vingativo, parcial, barganhador, carente de adoração, nada disso.
  • Não é honesto pedir a Deus favores pessoais nem deixar sua crença condicionada a eles. Seria tomá-lo por demais infantil ceder a esse tipo de chantagem. Se algo não ocorreu como você esperava, não é culpa Dele e se algo ocorreu que te deixou feliz não é favor Dele. Tudo é aprendizado. Considere Deus um Educador, jamais um parceiro de trocas de favores.
  • Se for pedir algo, peça força e sabedoria para retirar das situações da vida aprendizados profundos que te transformem a alma para melhor. Todo o resto é fonte de frustração e aborrecimento desnecessários. Se for agradecer, agradeça a oportunidade de crescer em consciência de si próprio e do mundo.

Por fim, meu filho, não se culpe se não tiver inclinação à crença externa a Deus. Nem seu pai, nem Ele, se importam com rótulos. O que vale é que você seja sincero com sua consciência e seja um homem de bem. O resto é humano.

Que Deus te abençoe.