Meu filho, quem é você? É o corpo, o comportamento social ou a expressão do que pensa? Ou é um ser que ninguém de fora conhece e que, no silêncio e no anonimato, comanda seus passos? O Antonio que aparece conhece o Antonio que não se mostra? Eles conversam? São parecidos? Se respeitam? São francos um com o outro? Nosso "eu" interior e nosso "eu" exterior são dois mundos que vivem num eterno binário, num dínamo, e cuja combinação nos define, nos movimenta, nos dá vida.
Em 1890, o filósofo Oscar Wilde escreveu um romance intitulado "O retrato de Dorian Gray". Dorian Gray é um bonito e vaidoso jovem, retratado em uma tela por um artista, que, inebriado por sua própria beleza e com medo de ela desaparecer, vende sua alma em troca de que seu retrato envelheça ao invés dele, enquanto se joga em toda sorte de sensualidades, libertinagens e imoralidades no mundo. Com o desejo concedido, a pintura envelhece e passa a registrar todos os pecados que deterioram a sua alma, enquanto ele permanece sempre jovem. No final, ele se reconecta consigo mesmo, rasgando seu retrato num acesso de loucura, e morre com todas as podridões que sempre escondeu.
A metáfora é poderosíssima. A sociedade nos impõe certas formalidades e nada há nisso, em princípio, de ruim: a vida social tem suas regras de boa convivência que a selva e a solidão não têm. O problema é quando esse ser social, exterior, não dialoga mais com o ser interior, guardião de nossos valores, de nossos princípios, de nossa ética. É quando, como Dorian Gray, admitimos, por vaidade, cobiça ou orgulho, o apodrecimento do retrato que fica guardado em detrimento de uma aparência bela, mas oca, vazia. Quando a consciência, esse bastião que não falha, provocar um reencontro entre esses seres que se separaram, eles morrerão abraçados, o interno de inanição, o externo de raiva, loucura e vergonha.
Por isso é importante, filho, se conhecer para se enxergar sem medo ... para se permitir se curar das mazelas e reforçar as virtudes ... para ser íntegro, integral ... para ser são ... para ser feliz. Seus mundos interno e externo não precisam ser um, mas devem ser amigos e solidários.
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