Meu filho, com esta idade você certamente já terá ouvido sobre e, talvez, tenha sido convidado a ingressar na Maçonaria. Quero que você conheça minhas reflexões sobre o assunto para que reflita na hora de tomar qualquer decisão. Este texto ficou um pouquinho mais longo que os outros.
O mundo sempre teve seus segredos. O conhecimento disponível à população em geral sempre foi - e continua sendo - bem distante do que circula entre os mais esclarecidos. Com o objetivo de criar ambientes seguros para debater essas ideias mais elaboradas, complexas ou impactantes com seus iguais foram criadas as chamadas sociedades iniciáticas, secretas ou discretas. Nelas, via de regra, o candidato é submetido a um processo de indicação, análise, aprovação e, depois, de iniciação e, então, já iniciado, começa uma carreira de aquisição paulatina dos conhecimentos ocultos, orientado pelos mais experientes. A fórmula é sempre a mesma, desde as primeiras civilizações.
Uma dessas organizações discretas, de expressão mundial, é a Maçonaria. Com sede em Londres, foi forjada sobre o "sindicado dos construtores" dos templos antigos, que detinham os conhecimentos (na época ocultos, já que misturavam elementos místicos e matemáticos) de Engenharia e Arquitetura. Era a Maçonaria Operativa. Com o advento do Iluminismo, no século XVIII, na Europa, e a popularização das ciências, ela manteve os instrumentos dos pedreiros, mas agora metamorfoseados para serem aplicados, metaforicamente, na construção íntima do caráter reto, da justiça e do bem estar social. São os símbolos maçônicos, dos quais o mais conhecido é o esquadro e o compasso com um "G" no meio, que peguei como exemplo aí acima.
O esquadro simboliza a retidão de caráter em planos ortogonais - terreno e o transcendente; o compasso representa o equilíbrio, a justiça, a ponderação. O maçom (
mason em inglês é "pedreiro") deve buscar se manter e caminhar no espaço entre eles (azul, na figura), guiado por uma força maior em que ele tem que acreditar (seja sob que forma for), representada pelo "G": "Grande Geômetra" ou "Grande Arquiteto do Universo", ou simplesmente "
God" (Deus).
A Maçonaria protagonizou diversos episódios importantes da História, como a Revolução Gloriosa, a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos, e, no Brasil, a Independência, a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Inconfidência Mineira. Todas as iniciativas maçônicas visam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Em sociedades em que funcionam as instituições democráticas, a Maçonaria mantém papel de viabilizar o debate de ideias, sem influência direta para não se tornar um "poder paralelo" de um sistema que ela própria defende.
Começo dizendo que uma expressiva parte das pessoas mais corretas que conheço e conheci na vida são maçons (o que não significa que não haja os maus maçons, corruptos, mentirosos e aproveitadores, como em todo lugar). Os princípios maçônicos são, incontestavelmente, um guia muito bom para o crescimento do ser humano, das sociedades e da humanidade, pregando moralidade e igualdade, valorizando a família e a liberdade e incentivando a fraternidade e a filantropia. Seus símbolos são altamente representativos e profundos, mostrando um caminho para que nos tornemos melhores, individual e coletivamente.
Você crescerá cercado de dezenas de maçons, entre familiares e amigos. Seus ascendentes, até onde conheço a história de nossa família, todos eram maçons. Menos seu pai. Mas por quê? Por que não aceitei até hoje os convites, se nutro pela Maçonaria e pelos maçons tanto apreço, reconhecimento, identificação e amizade? Por uma mera questão de discordância de métodos da instituição que se chocam com valores meus que julgo basilares. Explico logo a seguir quais são.
- Só podem ingressar homens. Às mulheres sempre foi negado o acesso à educação, ao mercado de trabalho (e depois à equiparação salarial), ao voto. A sociedade ocidental é eminentemente machista e foi constituída sobre o princípio do patriarcado. Essa restrição estaria em perfeita sintonia com o pensamento coletivo há cinquenta anos atrás, não hoje. Não há qualquer evidência de que uma mulher não possua os requisitos necessários a ser uma maçom simplesmente por ser mulher. A entrada de mulheres tem dois inconvenientes práticos alegados: mistura de gêneros pode causar dissensão entre os membros e as mulheres têm dificuldades em guardar segredos. Será que, de fato, há aqui fundamento ou, à luz dos valores sociais atuais, preconceito? Há maçonarias ("potências") que admitem mulheres, mas não são oficialmente reconhecidas.
- (Em grande parte) Não podem ingressar deficientes físicos. Isto está mudando em países mais desenvolvidos (em especial EUA e Inglaterra), mas ainda é regra na América Latina, por causa de antigas regras maçônicas chamadas de landmarks de Mackey. Os rituais de iniciação e os rituais maçônicos nas Lojas não são, em princípio, adaptados para pessoas com deficiência. A Grande Loja da Escócia, por exemplo, já tem rituais específicos em braille e Lojas adaptadas especialmente para cadeirantes. Aí vem a pergunta: é o rabo que abana o cachorro ou o cachorro que abana o rabo? O ritual não deve ser a representação simbólica de um princípio ou ele está sendo considerado o princípio em si? Não é possível adaptá-lo aos tempos de maior igualdade, princípio defendido como base pela própria Maçonaria?
- (Em grande parte) Não podem ingressar homossexuais. É um tema controverso, que não está explícito nos landmarks, apenas por interpretação. E também está mudando em algumas Lojas ao redor do mundo. Mas ainda o mais comum é negar o ingresso ao candidato gay, seja porque ele alegadamente não se encaixa na definição estrita de candidato do sexo masculino no sentido completo (físico e emocional), seja porque a noção de família ainda é a herdada das tradições antigas e a família homoafetiva não é reconhecida. Mas será que o candidato homossexual é menos livre, tem reputação menos ilibada ou acredita menos em um Ser Supremo (requisitos básicos para o ingresso) do que um candidato heterossexual?
Seriam, então, os maçons preconceituosos? É controverso, mas, pela minha experiência, por incrível que possa parecer, não. Na sociedade civil, chamada "profana", a Maçonaria via de regra apoia toda luta pela igualdade das mulheres, pelos direitos das pessoas com deficiência e das minorias em geral. O debate maçônico tem viabilizado conquistas importantes a todos esses grupos. Parece ser mais uma questão de tradição do que propriamente uma convicção, mais da instituição do que de seus membros.
A Maçonaria, como toda organização antiga, grande e de princípios padronizados, pelo engessamento e imobilismo (talvez tradição em excesso), se tornou, algumas vezes, vítima de si mesma. De vanguardista, progressista e transformadora, como os construtores dos templos, os artistas, os iluministas, os revolucionários, começou a, nesses quesitos, caminhar a reboque da própria lei geral, o que é um contrassenso com sua própria razão de existir. Seria de se esperar que sua legislação interna caminhasse à frente da externa e não o oposto.
Acredito firmemente, meu filho, que a essência vibrante, iluminante e inspiradora dos princípios maçônicos e o ativismo de coração dos maçons por um mundo melhor revertam essas situações discriminatórias rapidamente, fazendo com que a Maçonaria, da iniciação à passagem ao "Grande Oriente" (a morte), permaneça sendo, em discurso e também em exemplo, a poderosa alavanca impulsionadora das mudanças da legislação, da inclusão e do bem social que tem sido historicamente.
Enquanto esse encontro consigo mesma não se completar, eu faço a opção por, com todo o respeito às luzes que dali emanam, permanecer como "profano", fiel aos seus princípios de bem mas sem tomar parte na operacionalização deles, que julgo atrasada em relação às conquistas da sociedade moderna.
Quanto à sua decisão, ela será pessoal, íntima. Se se tornar maçom, não se esqueça de, de lá de dentro, lutar, também na "própria carne", pelos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, forçando, pelo debate construtivo, a busca constante da coerência integral - único caminho para o fortalecimento real da instituição.
E, como dizem os maçons, que o G.'.A.'.D.'.U.'. (Grande Arquiteto do Universo) lhe dê sabedoria para essa escolha.