Meu filho, você certamente ouvirá, por diversos meios, falar dos demônios, seja no sentido figurado seja no literal. Mas o que, de fato, essa crença representa na tradição humana e nos dias atuais? Devemos levá-la a sério?
A palavra "demônio" origina-se do grego daimon, que, por incrível que pareça, não tem uma acepção negativa. Na origem, essa palavra era sinônimo de gênio, espírito, e era usada tanto para entidades sobre-humanas boas (eudaimon) quanto más (kakodaimon). A palavra "eudemonia", em português, por isso, significa sorte, felicidade, bem-estar. Sócrates, por exemplo, dizia conversar com o seu daimon, que, segundo ele, lhe aconselhava.
Muito diferente é a figura judaica e, portanto, cristã do demônio, chamada Satanás, derivada do Zoroastrismo persa. Satanás é uma cópia (mal feita) de Ahriman (que aparece lutando com o rei persa na figura acima). Os livros judeus escritos antes da influência persa, que ocorreu por volta de 500 a.C., não citam nenhum opositor. Os atos de vingança eram atribuídos ao próprio Deus, que agia, assim, como um justiceiro, para o bem ou para o mal (ficava chateado, irado, se vingava, etc). Ao contrário do Judaísmo (e do Cristianismo), o Zoroastrismo era uma doutrina com foco no autodesenvolvimento, e não feita para guiar ideologicamente um povo através do misticismo, por isso a ação de Ahriman era pessoal. A penetração da ideia de um demônio próximo ao ser humano também permitiu, mais tarde, a ideologia de um Deus igualmente próximo, com a doutrina cristã.
Ahriman tinha uma ação diferente de seu derivado judeu Lúcifer: ele conduzia o homem ao imobilismo, ao desinteresse, à estagnação - tanto que normalmente é representado em cor azul (a do gelo), ao contrário de Lúcifer, representado em cor vermelha (do fogo). Lúcifer, ou Satanás, como "opositor" de Deus, trabalha seduzindo a alma humana, instigando-a a ter sim uma postura ativa, mas no mal: exacerba-lhe o orgulho, a vaidade, a prepotência. Pode-se dizer que, ideologicamente, Lúcifer e Ahriman são mais inimigos entre si do que qualquer um deles com o ser humano - ou, como dizem outros, trabalham complementarmente, ora imobilizando ora fazendo se perder.
Filho, algumas pessoas tomarão essas figuras por reais. Na verdade, isso é pouco importante. Não rejeite o aprendizado antigo apenas por ele ser metafórico. Os demônios, pelo menos os dois que citei a você (Ahriman e Lúcifer) têm muito a ensinar sobre o comportamento humano, mostrando que a estrada que conduz à realização está igualmente longe de ambos: nem no congelamento estagnante do gelo ahrimânico nem no fogo deslumbrante e irresponsável de Lúcifer. Procure a ação persistente e equilibrada no bem e você estará expurgando seus demônios.
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