À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Cheiro de sangue

Filho, recentemente houve uma série de livros / filmes de uma saga de ficção de vampiros chamada Crepúsculo ("Twilight"). Abstraindo a qualidade da série, um personagem de lá me chamou muito a atenção: o Dr. Carlisle Cullen. Como bom vampiro, naturalmente ele não resistiria à luxúria de sangue humano, mas, surpreendentemente, tornou-se médico e só bebe sangue de animais para sanar sua sede, fruto de uma autodisciplina consciente constante. E você, filho, qual é o seu sangue?


Todos temos coisas, pessoas ou situações que nos movimentam internamente de forma muito forte, quase incontrolável, as reações viscerais. Por história, por vontade, por instinto, até por neurose ou psicopatia, os componentes de ação do nosso ser se juntam para atingirem esse objetivo comum: o coração é o tocador de obra, o cérebro o advogado de defesa, as mãos os operários-padrão. Você precisa saber que quando o cheiro de sangue passa sob o nariz do vampiro, ele será vítima de um complô interior poderoso em que a solução mais simples é ceder; a segunda mais fácil é fugir; a que eu proponho é a mais difícil.

Tudo pode viciar - até fazer o certo, fazer o bem. Nem todo vício é ruim em objeto, mas ser viciado é sempre ruim em processo, porque o vício aumenta a chance da inconsciência. Eu não estou fazendo para você, filho, uma satanização das nossas forças íntimas mais profundas nem daquilo que nos atrai fortemente a atenção. Não. Muitas vezes esse mecanismo é muito saudável e benéfico, além de prazeroso. Às vezes é a única forma que o Universo tem de nos tirar da inércia. O que eu estou querendo dizer é que, mesmo assim, você não deve abrir mão de sua presença no processo, nem que seja só para autorizá-lo. Mesmo que vá beber o sangue, faça com consciência.

Não quero que você tire da vida seu brilho, sua poesia, sua surpresa e que se torne um chato que quer analisar tudo sempre. Não. Deixe-se levar também pelo canto suave da realização de algo que ama, deleite-se com a satisfação de algo que curte, sem precisar deixar um guarda na porta o tempo todo. Ele não precisa ficar de plantão, basta um sobreaviso, disparado por gatilho da perda da capacidade de autocontrole. Mesmo que você perca o controle, mesmo que largue as rédeas do seu corcel, faça conscientemente. A regra geral é: o que é bom não tem medo da luz; o que é ruim adora os porões da mente.

Você terá seu sangue, filho. Identifique-o com honestidade. Encare-o. Mas o discipline em sua capacidade de te controlar. Quem manda no que você faz é você - mesmo que seja para bebê-lo. Se não quiser ou não puder fazê-lo, você pode até ser um médico sendo vampiro, mas exigirá trabalho íntimo de autoconhecimento, determinação e consciência. Se não conseguir se abster do sangue que julga que faz mal a você ou a outros, substitua-o. É difícil? É. Bem-vindo à escola do progresso!

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