À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


sexta-feira, 24 de junho de 2016

O gás, o bule e a água

Meu filho, existem muitas maneiras de se resolver um problema. Nunca deixe de enxergá-las como alternativas e tenha consciência para selecionar a(s) que melhor se encaixa(m) na sua necessidade. Para isso, eu resolvi mostrar para você uma metáfora: do gás, do bule e da água.


O problema: dentro de um bule no fogo do fogão a gás, precisava-se manter água fria. A água ia esquentando e começou a evaporar. Havia, 3 soluções possíveis:
  1. Agir na água: colocar mais água fria no bule. Dá resultado rápido, mas ele teria que ficar fazendo essa adição para sempre e o processo gastaria uma enorme quantidade de água.
  2. Agir no bule: afastar o bule do fogo. O resfriamento seria lento. Poderia gerar abalos na água e até derramá-la ao movimentar o bule. O fogo, ainda ativo, poderia gerar um incêndio e afetar o bule - seria necessária vigilância constante. Como efeito colateral, haveria desperdício de gás.
  3. Agir no gás: fechar o gás. O resfriamento seria mais lento ainda porque o ferro sob o bule ainda retém calor, mas resolveria definitivamente o problema sem risco de repetição.

Assim também é, filho, com as nossos problemas e nossas doenças. Eis como penso a respeito:
  • O corpo é a água. Para mantê-lo saudável, você pode injetar nele químicas reequilibrantes (remédios tradicionais) de ação rápida. Você gastará o corpo (efeitos colaterais) e terá, muitas vezes, que mantê-lo sob ação desses agentes para o resto da vida. Algumas vezes a ação direta no corpo é necessária, mas por quanto tempo e em que intensidade?
  • Sua personalidade é o bule. Personalidade é a resultante de história, educação, inclinações, cultura, ambiente social, etc. Você pode movimentar o bule: adaptar-se em termos de comportamento, de ação, regulando sua distância às suas tendências naturais. É uma ação nobre, mas requer vigilância constante, já que essas tendências, sem antepara do bule, podem gerar ou um incêndio ou um alto grau de insatisfação íntima em você.
  • Sua vontade profunda é o gás, reflexo de sua individualidade, ou se quiser, da sua alma. O pensamento é seu filho. Ele age sobre todos os outros níveis, mas para agir sobre ele é necessária maior dedicação e perseverança como quem busca a válvula que corta o gás.

Na maior parte das vezes, meu filho, você terá que equilibrar essas três estratégias. Não caia nem no suposto pragmatismo de quem quer resolver tudo com química, agindo direto sobre o corpo nem na suposta etereidade de quem ignora o poder dos remédios para agir exclusivamente na alma.

Não esqueça nenhum dos níveis e, em sua combinação equilibrada, busque a sabedoria.

sábado, 4 de junho de 2016

Grátis

Filho, no início do século XIX, nos Estados Unidos, muitos bares ofereciam comida grátis para quem bebesse alguma coisa. Depois da crise de 1929, se popularizou entre os economistas uma frase que fazia referência a (a impossibilidade de) essa prática antiga: "Não existe almoço grátis".


Nem o amor é sempre gratuito. Aliás, normalmente não é. O tipo mais comum de amor é uma troca, como entendiam os gregos no fileo - amor fraternal: "eu te amo, mas não pise no meu calo", "eu te amo, se você não me trair", "eu te amo até que eu me sinta mal", etc. O amor grátis era chamado pelos gregos de ágape e talvez o que conheçamos mais próximo disso é o amor de pai e mãe por um filho, o amor a Deus e outras exceções pontuais, todas um pouco acima da mundaneidade comum.

Não há nenhum problema em se valorar as coisas, seja monetária, emocional ou temporalmente. O problema é não ver esse valor e se enganar que ele não existe quando está lá. Por isso, meu filho, tome cuidado quando vir algo "gratuito". Ou seja, até existe "almoço grátis", mas é raríssimo.

Quando você compra uma roupa muito barata, ela pode ter sido confeccionada com mão-de-obra escrava ou infantil em países em que não há proteções trabalhistas. O que você deixa de pagar, está transferindo para eles. Quando você sonega um imposto, está se julgando "esperto" e onerando outros, mais honestos que você. Se você entrou no restaurante, almoçou e saiu, não se engane: com certeza alguém pagou e como foi você que almoçou, você está roubando de alguém.

Por outro lado, o mundo precisa de mais coisas grátis: não se esqueça de sempre dar algo, material e/ou espiritual, a quem necessita. Mesmo que você saiba o custo que isso terá para você, quando doar não cobre pelo que não deve ser cobrado. A cadeia de generosidade gerada ao "pagar pelo almoço dos outros" vai impedir que o mundo esfrie, se monetize e perca a gentileza que é, ao fim das contas, a marca da própria raça humana.