À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


sábado, 30 de dezembro de 2017

Panteões

Meu filho, não é de hoje que a Ciência Psicológica, notadamente a Psicologia Analítica criada por Carl Gustav Jung (1920), tenta categorizar os seres humanos em Tipos Psicológicos. Mas engana-se quem acha que essa é uma busca nova na História - ao contrário: é multimilenar. Como? Pelas divindades das tradições míticas ou filosóficas - como queira.


Abstração feita da crença religiosa em si, cada deus ou santo pode ser diretamente associado a um arquétipo, um temperamento, um tipo de personalidade. Os filhos ou os protegidos dessas entidades são os que têm sua essência em sintonia com suas atribuições, qualidades e armadilhas. Os conjuntos de deuses são, em realidade, representações da diversidade do próprio gênero humano.

Prova disso é a incrível semelhança que existe entre os diversos panteões das diversas civilizações, quase todas sem contato umas com as outras, indicando sua estreita ligação com as potências humanas e também sua transcendência. Nesse sentido, eles realmente são "deuses": são guias para o autoconhecimento de nossos vícios e virtudes e na atenção na relação com nossos semelhantes. As histórias das mitologias são, em verdade, epopeias das próprias lutas internas dos sentimentos e pensamentos em direção ao progresso.

Para exemplificar - e não por acaso - vou lhe falar sobre uma dessas forças: "Hera" na mitologia grega, "Juno" na romana, "Ísis" na egípcia, "Frigga" na nórdica, "Jaci" na tupi, "Nossa Senhora" no cristianismo ou "Oxum" no candomblé. Representa ela a beleza e a fecundidade. Seus "filhos" demonstram determinação, diplomacia, equilíbrio, discrição, espiritualidade e vontade de proteção dos mais fracos. Mas também tendência ao materialismo, à superficialidade, ao narcisismo, à vaidade e à preguiça. A "mãe lua", como é conhecida na tradição Tupi, é, assim, um eixo de desenvolvimento sobre o qual aqueles que se afinizam com sua figura têm aí um caminho de autoconhecimento e de busca da felicidade.

Não importa se você encara esses entes como seres reais ou não, divindades ou não, aí está uma chave para explorar milhares de anos de História e aplicá-los ao conhecimento do próprio mundo das personalidades. Estudar os panteões é estudar-se como produto de séculos do próprio homem.

Ora, iê, iê, ô!

domingo, 24 de dezembro de 2017

Morte

Meu filho, certa vez os cientistas cogitaram que elefantes pudessem ser capazes de ter noção da própria finitude pelo fato de encontrarem em alguns locais 'cemitérios' deles. Era engano, apenas um efeito migratório para locais de comida mais fácil, que estendiam a vida dos mais velhos por algum tempo. Continuamos, assim, até hoje, sendo a única espécie que se sabe ter consciência do próprio nascimento e da própria morte. Sendo assim, a pergunta imediata é: o que existe além?


Alguns acreditam que a morte é um fenômeno puramente orgânico, como uma doença, que será vencido pela Ciência algum dia e que, portanto, após findados os impulsos neuroniais, aquele pensamento, aquele coração, aquelas experiências, desaparecem com os compostos químicos em decomposição.

De outro lado, há muitas teorias não-materialistas para explicar esse momento extremo da vida humana. Em comum, elas apresentam a ideia da transcendência: o ser humano seria algo capaz de sobreviver a essa passagem e seu futuro teria relação com o quanto angariou de conquistas para essa alma durante a vida. Ainda como linha mestra entre elas, a possibilidade de, ainda durante a existência orgânica, alçar voos curtos a esse mundo suprafísico sempre por algum tipo de recolhimento, meditação, introspecção ou oração.

Há uma coisa inexorável: você terá vários encontros com a morte - os primeiros com os que você convive e ama e o último pessoalmente. E eles o farão lembrar dela com alguma frequência.

Não desejo influenciar de forma determinista na sua visão da morte e, portanto, da vida. Mas recomendo que você:
  • Não compre ideias prontas - desenvolva as suas próprias;
  • Considere que a resposta que você busca pode estar espalhada em pedaços: no pensamento científico, na sua sensibilidade, na observação da Natureza, nas pessoas, na meditação, etc.;

Você pode ser um cientista que irá ajudar a combater a degradação física; você pode ser um pensador que irá ajudar a compreender a morte; você pode ser um apoiador que irá ajudar a suportá-la. Faça o que fizer, faça com sinceridade, com humildade e com amor.

Vencer a morte pode ser mais do que tudo isso: pode ser apenas parar de temê-la.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lealdade

Meu filho, é preciso que eu te fale da lealdade, que é a honra aos princípios éticos posta em prática. O mundo é profundamente desleal. Não se iluda: você deve satisfação à sua consciência, por isso não condicione sua lealdade à dos outros. Ela é o travesseiro da sua alma. Cuide bem dele.


Cuidado! Nem sempre é fácil detectar o desleal, mas os principais sintomas são:
  • Não pode haver lealdade onde há desonestidade. Aí o que existe é apenas interesse.
  • Não há lealdade seletiva. Se alguém é desleal com o outro, ele fatalmente será com você.

Uma vez detectada a deslealdade em alguém, eu recomendo que você se afaste dessa pessoa. Ele (ou ela) tem armas de que sua honra não permite que você lance mão e como trata-se de uma falha de caráter radical, é muitíssimo pouco provável que ele (ou ela) venha a mudar. Se você não conseguir seguir o conselho de seu pai, pelo menos não se deixe ferir pela decepção.

Mas a deslealdade dos outros é um problema deles consigo mesmos. É uma nuvem de negatividade que atraíram para si e com que terão que lidar. E você terá pouco poder de influência. Acredite.

Quanto a você, meu amor, tenha atenção para também não ser desleal. Desculpe não haver outra forma de dizer isso, mas não seja babaca e nem canalha. Essas energias corroerão sua alma e te tornarão dependente delas - não é ao 'diabo', um ente externo, que se 'vende a alma', é a seu próprio lado sombrio. Seja seu guardião contra você mesmo. Lembre-se sempre que o bastião da verdade não precisa de outro defensor senão ele próprio. Seu exemplo fala por si só. Aja com valores firmes e seu caminho poderá ser difícil, mas estará sempre aberto. Duas coisas você sempre deve buscar fazer:
  • Fale direto e em particular com as pessoas o que quer falar. Olhe em seus olhos.
  • Dê sempre chance de defesa. E saiba que podem existir outras verdades além da sua.

E outras jamais:
  • Não 'desabafe' como se isso fosse um salvo conduto para falar o que quiser. Chame como você quiser chamar, 'desabafo' ou não, você continua responsável pelo que diz.
  • Não difame. Seja responsável. A palavra dita não pode mais ser retirada.
  • Não mande recadinhos. Você não tem mais 10 anos de idade.
  • Não fale pelas costas. Seja ético.
  • Não traia a confiança - mesmo, na pior das hipóteses, de quem você pensa que traiu a sua.

E não se sinta um bobo, um 'otário', por ser assim. Quando você é sério, honrado, probo, as pessoas sérias o reconhecerão e o sustentarão. Quando é desleal, atrairá para si outras tanto quanto, como um câncer a se multiplicar e te sufocar, e as pessoas sérias se afastarão e sentirão pena de você.

Seja leal, meu filho, consigo mesmo e, consequentemente, com o mundo. Assuma esse compromisso diariamente com seu 'eu'. O fardo da deslealdade não te permitirá entrar no caminho da felicidade. Não há futuro na deslealdade.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

'Você está bem, papai?'

Quarta-feira, 6 de dezembro. Algumas situações desnecessárias me trazem certa tristeza, cansaço, decepção. Mas é dia de ficar contigo, dia de alegria, de nossa cumplicidade, de nossa construção.

Madrugada de 6 para 7 de dezembro. 3 horas da manhã. Você me acorda, sobe na minha cama, deita do meu lado, me abraça e, quase como se fosse uma desculpa para estar ali, me pede para te contar uma história. E lá se vão 3 histórias até que, exausto, você volta a adormecer.

Quinta-feira, 7 de dezembro. Você acorda feliz, brincamos, nos arrumamos e vamos para a creche de carro. Você me pede para "dirigir", mas, ao contrário do normal, me pede ajuda a toda hora, como para me manter ao alcance.

Desço do carro contigo, o pátio da escolinha já está cheio de amigos. Já havíamos nos despedido - abraço, beijo e "nhem nhem nhem". Você, sempre alegre, se desgarra da minha mão e vai brincar.

Cumprimento as professoras e auxiliares. Me viro para ir embora. "Papai!". Volto. Me ajoelho. "Oi, meu filho. O que foi?". Sou invadido pelo olhar mais profundo que já vi. Penetra meus olhos, vaza meu cérebro, acelera meu coração e flecha de vida minha alma. O relógio para. Até as asas dos menores insetos congelam no ar.

Suas duas mãos pousam carinhosamente sobre minhas bochechas. Num flash, fico na dúvida se miro meu filho ou meu pai. Foram os 3 segundos mais longos da minha vida. Você também está todo ali - os chamados dos colegas pelo seu nome não existem. O mundo desapareceu.

Como se você procurasse algo nesse Universo interno do qual você tem todas as chaves, você mergulha em mim, acendendo luzes nos vales, criando oásis nos desertos. Ao fim, como se o trabalho tivesse terminado, me pergunta: "Você está bem, papai?".

Você não vai embora. Fica. Fica me hipnotizando, me afogando de amor, esperando uma resposta. "Estou bem, filho". Você sorri e vai procurar o escorrega que ficou esquecido.

Você foi embora tão rápido... Não deu tempo de dizer: estou bem por você, graças a você.

Você foi embora tão rápido... Não deu tempo de dizer: muito obrigado!

OBS: desculpe não ter figura neste texto. Procurei uma imagem da alma, mas acho que não existe...

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Rede de proteção

Filhote, ser honesto num ecossistema indecente, ser ético num ambiente desonrado, ser justo num meio egocêntrico, ser legal num universo fraudulento pode ser fonte de bastante sofrimento, já que você não se permite usar as ferramentas e subterfúgios imorais de que seus opositores lançam mão sem qualquer cerimônia. Pode parecer, por isso, à primeira vista, que você estará travando guerras sempre desiguais. Calma! Há formas de proteção legítimas que não o obrigarão a abandonar seus princípios e valores. Aqui te apresento uma.


Eu estava quieto num ambiente de que gosto muito certa vez, após algumas dificuldades sérias dessa natureza, quando um amigo me chamou e disse: "Você fez e tem muitos amigos, use-os!". Aí está. Você tem uma rede de proteção mental formada por pessoas que te amam, te respeitam e acreditam em você, cuja liga é a sintonia nos elevados objetivos comuns.

Mas quem são os componentes dessa redoma invisível e poderosa? Você os reconhecerá por 3 características, pelas quais também se define a verdadeira amizade:

  • Honestidade: ao contrário daqueles que só querem reforçar seus pontos de vista, os protetores te falam a verdade. Mesmo que ela não seja aderente à sua expectativa.
  • Paz: imaginá-los junto a você te dá uma sensação de paz porque você não precisa ser com eles nem mais nem menos do que você próprio.
  • Presença: eles te buscarão, te encontrarão, mesmo longe, estarão presentes no teu coração, sempre dizendo o que meu amigo falou - 'use-nos'.

Não que a rede dependa disso, mas você sentirá naturalmente vontade de cultivá-la, fazendo sua parte, gastando tempo para saber como estão seus amigos, aguçando sua sensibilidade para perceber suas necessidades. Ajudar na rede do próximo também fortalece a sua. Mas cuidado: a correria do mundo moderno tenderá a afastá-lo dessa providência - não permita que isso aconteça.

O mal progride, grita, calunia e tem audiência muito pela desunião dos bons. Você fez e tem muitos amigos, use-os! Você tem uma rede de proteção, formada por almas, corações e mãos unidos contigo lado a lado. Ela é sua arma contra as iniquidades. Use-a com sabedoria, mas use-a!

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Escolha certo!

Meu filho, é certo que você terá que tomar decisões difíceis. Algumas parecerão impossíveis. O mais inquietante é que normalmente não há caminho da fuga: a não-escolha também é uma escolha. Diante disso, o que fazer?


O julgamento é sempre solitário no sentido de que você terá que lidar com as consequências dele sempre sozinho. Ele não admite desculpas nem terceirizações. Você pode buscar apoio, pesquisar, se embasar, estabelecer critérios, analisar desdobramentos, extrapolar cenários. Tudo isso ajuda. Mas o momento do juízo entre alternativas é só seu - da sua consciência. É sua responsabilidade. O primeiro passo, portanto, é admitir isso a você mesmo. Esteja presente. Todo. Razão e sentimento. Por isso, não decida nada imaginando o que os outros vão pensar - eles não dividirão a carga contigo. Nem que queiram. Você deve fazer o que pensa ser certo. E ponto.

Decidir significa seguir um caminho e não outro. E toda estrada não percorrida cobra seu preço. Não se incomode com isso. Pague-o apenas na medida do justo e não se culpe. E não se arrependa do chão não caminhado. Se você escolheu com embasamento, com honestidade, com atenção e buscando o bem, você escolheu certo, mesmo que tenha errado.

O segredo de escolher na hora certa é estabelecer limites. Limites de tempo, de desvios, de tentativas. Atingidos esses marcos, é hora de agir, de optar, sem vacilos.

  • Compelido a ser fiel ou ser ético, seja ético. Não compactue com erros por gratidão nem por amizade. Você deve tentar alertar, falar, sugerir, abrir os olhos para que você não seja obrigado a optar por um. Mas se essa hora chegar, não duvide: siga a verdade.
  • Se tiver que escolher entre ser disciplinado e ser bom, seja bom. A disciplina é uma ferramenta importante, mas é a bondade que o torna humano. Cuidado: ser bom não significa ser permissivo ou inativo, apenas ter misericórdia ("coração para com a miséria") na forma.
  • Não aceite terceirizações de problemas alheios nem culpa por eles. As pessoas fazem suas escolhas e, às vezes, com isso, te deixam sem elas. Cada um responde por seus atos. É típica de seres atrasados a tentativa incessante de transferir suas responsabilidades. Não as compre.
  • Não seja parcial. Coloque no altar da sua consciência nua e cruamente os objetos dentre os quais você terá que optar. Adie julgamentos. Não se cegue para defeitos ou qualidades por qualquer razão que seja. Não faça "engenharia reversa" para justificar a si próprio algo que quer fazer - a pior mentira é a dita a si mesmo.

As escolhas, meu filho amado, te farão crescer. As dores delas te farão amadurecer. Só com a experiência, a auto-honestidade, a tranquilidade de alma, você conseguirá tirar de uma vida de escolhas uma vida feliz.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Confiança

Meu filho, quando eu tinha dez anos, me lembro de estar atravessando uma rua em Nova Friburgo e ouvir um grito seco do seu avô Antonio: "Pare!". Meu corpo ficou estático antes de eu ter sequer consciência da ordem. Um carro passou a poucos centímetros. Um só vacilo e não estaria aqui te escrevendo - nem você existiria. Hoje você, meu amor, com menos de 3 anos, ao ver seu pai com os braços abertos, nem olha para baixo - pula feliz sem pestanejar. É o mesmo motivo que me salvou a vida sob a autoridade do seu vovô: confiança.


Neste primeiro setênio, sou para você a autoridade amada e a admiração e a dependência faz com que você me siga, sempre. Mas como converter essa doação mútua em amor eterno? Pela confiança. Tenho absoluta consciência de que, por enquanto, é minha a responsabilidade de não contaminar esse bem-querer iluminado com comportamentos que poderiam levá-lo a questionar nossa cumplicidade. Quando você for adolescente, você começará também a ter essa tarefa, comigo e com outros. Quando for adulto, isso será fundamental para uma vida feliz.

"Confiança" vem do latim com + fidere, que significa "com muita fé". Para que suas relações sejam construídas de forma sólida, indelével, não contaminada, cheias de fé mútua, é preciso cuidado. Nessa "sopa", três ingredientes são essenciais:
  • Respeito: ouça sem julgar, dê atenção, olhe nos olhos, valorize, gaste tempo, esteja inteiro, não grite, não xingue, não agrida. Fale a verdade, não crie expectativas falsas, nem a título de não ferir. Se seu interlocutor for uma criança, agache-se para falar com ela.
  • Exemplo: viva o que você prega, cumpra suas promessas, explique seus motivos, não abra exceções éticas.
  • Humildade: peça desculpas quando preciso, não seja impaciente, deixe-se ser tocado. Dê sua opinião sem exigir que seja considerada: você não é o centro do mundo.

Se algum dia, mesmo que você tenha cem anos, eu te disser: "Pare!", espero ser digno de ter de você a mesma confiança de hoje e que, antes de seu cérebro se dar conta do que fez, ele congele seu corpo (mas mantenha quente de amor seu coração por mim).

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Coerência

Filho, em Física uma onda é dita coerente quando é possível prever o comportamento do campo de um de seus pontos com base em outro, ou, de outra forma dizendo, seus componentes (como os fótons, no caso da luz) estão "em fase". O laser é uma radiação coerente - e aí reside seu poder.


Imagine alguém que fale coisas variantes, imprevisíveis, até contraditórias; alguém cujas ideias dançam ao sabor das situações ou do humor. Diz-se, acertadamente, que essa pessoa é incoerente. E, assim como na Física ondas "fora de fase" tornam o feixe fraco ou nulo, também a ação, no campo do comportamento, precisa de coerência para sustentar confiabilidade e efetividade.

Cuidado: isso nada tem a ver com cristalizar seus pontos de vista e, com isso, não evoluir no pensamento. Não. Mas te sugiro que sempre que for "mudar a fase" da "onda" de suas opiniões, faça-o com consciência. Como? Usando dois caminhos paralelos: consistência e conexão.
  • Consistência: é a busca de lastro de lógica e bom senso que "dá forma" à onda de suas ideias, mesmo que elas sejam equivocadas. É a medida de honestidade intelectual do que você concebe e/ou acredita. Procure não formar para si conceitos disformes que não se sustentam frente a 2 minutos de realidade objetiva. Eles só te isolarão do mundo sem proveito algum.
  • Conexão: é o caminho percorrido do progresso da ideia. O que o levou a mudar de opinião? Se dois conceitos - um antigo e um novo - são consistentes, você poderá conectá-los, tornando-se consciente e capaz de explicar o salto, os motivos que o levaram a alterar aquela concepção.

Para você, meu filho, a coerência, é, portanto, escada firme de evolução e da expressão genuína e saudável de si próprio. Para os outros, é um traço que você deve observar como medida do grau de confiança que você pode ter neles. Assim, para si e para os demais: busque-a, observe-a, questione-a. É seu termômetro. Não se esqueça disso.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"Show me"

Filho, os que trabalhamos com auditoria costumamos usar essa expressão inglesa "show me" para pedir evidências objetivas daquilo que observamos, das informações que recebemos. O povo latino é muito melindrado com esse pedido e sempre leva ao pessoal, achando que é uma desconfiança de sua honestidade. Não é. Procurar, às vezes pedir e sempre analisar fatos além de palavras é uma prática muito recomendada.


Algumas pessoas têm uma séria tendência ao descolamento da realidade. Elas criam, por mecanismos internos, palcos imaginários nos quais passam a atuar e paulatinamente seus pensamentos e ações começam a se distanciar dos fatos concretos. Cuidado para não se deixar levar por sua visão esquizofrênica! O melhor remédio para isso é o "show me" - mesmo que não explicitamente. Volte à Terra, ponha os pés no chão, desapaixonadamente vasculhe os dados, evitando tirar conclusões, e monte para si um painel duro, frio, do mundo real.

Mesmo que não esteja lidando com uma mente alienada, o "show me" será seu aliado para fugir do lugar comum, do senso comum. Faça a conta e - como diria um amigo do papai - "perca para a conta". Algumas coisas são ilógicas mas dão segurança psicológica. Não há nada de errado com isso, desde que você saiba o que está fazendo. Quem consegue fugir do óbvio e se treina a fazer a conta o tempo todo descobre alguns tesouros escondidos importantes.

Por fim, meu filho, o pensamento objetivo fundamentado na realidade será seu escudo contra sua própria alienação, como meio de reflexão. O que você está fazendo é razoável? É justo? Tem coerência? Sua opinião sobre algo tem que lastro?

Estude, se baseie e esteja de sua parte sempre pronto para apresentar as evidências de seus pensamentos, de suas conclusões. Vivendo num mundo onde a imaginação divide espaço com a realidade, os fatos objetivos serão sempre seus fieis escudeiros.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Violência

Meu filho, foram muito poucos os anos de paz na História. A selvageria, direta ou indireta, até hoje dita as relações entre os povos. Com os indivíduos não é diferente. Mas de onde ela vem? O que gera? Qual é o seu preço?

Quadro "A face da guerra", de Salvador Dalí (1940)

A violência é filha direta da ignorância. O hostil é, via de regra, um gregário, um atrasado. A truculência é o recurso do incompetente: de quem não consegue dialogar, de quem não tem argumentos, de quem não tem respeito à condição humana - nem à sua própria. É uma arma que apodrece a mão de quem a usa. Você pode até sentir, na hora, raiva de quem seja violento com você ou com quem você ama, mas você perceberá que o sentimento mais adequado é a pena.

Não significa dizer que você deva se deixar ser violentado. Corte a agressividade, mas sem se deixar envolver por ela. Seja frio, direto. Não tenha medo de se afastar de quem insiste em seu uso. Ele encontrará nos iguais a ele a lição de que precisa, sem que você precise gastar energia com isso.

A consequência da violência é a perda de naturalidade. E aí está o grande paradoxo que decepciona os furiosos: suas conquistas são como areia a escorrer entre os dedos, porque quando conseguem dominar, a pessoa dominada não é mais a pessoa desejada. Como a tartaruga, ela se retrai e deixa à mostra apenas o casco, afastando sua alma para o mundo interior onde passa a buscar, novamente, a liberdade e a paz. E quando a conquista, deixa o brutal para trás, apagando-o até da memória.

Não seja passivo, mas não tenha vergonha de ser pacífico. A violência se alimenta da própria violência e não suporta a serenidade. A construção de um mundo de paz passa pela construção de um coração em paz.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Um dia

Meu filho, pense em um dia típico da vida de um adulto:

  • 8 horas dormindo
  • 9 horas trabalhando
  • 2 horas em trânsito
  • 2 horas comendo
  • 1 hora resolvendo problemas cotidianos

Sobram ... 2 horas para: família, amigos, namoro, diversão, estudos, ócio, etc.


Quais dessas atividades te tornam mais humano? Quais delas efetivamente contribuem para o seu crescimento interior, seu amadurecimento cognitivo, emocional e espiritual, para sua felicidade?

E se esse dia não fosse mais um dia típico, mas o seu último dia de vida? Como você o dividiria? Da mesma forma?

Atenção: normalmente, meu filho, não sabemos qual será o último. Sugiro, então, que você o planeje e depois vá trazendo um pouquinho dele para cada um dos outros.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Quando ... você se sentir pequeno

Meu filho, este é 1 entre 3 bilhões de segundos que uma pessoa vive até os 100 anos, de uma criatura - você - que é 1 entre 8 bilhões de pessoas vivendo em 1 dos 8 planetas do Sistema Solar, que é 1 entre 40 bilhões de estrelas na Via Láctea, que, por sua vez, é 1 entre 100 bilhões de galáxias no Universo conhecido, que é 1 entre os muitos universos possíveis. Pense nisso quando for medir o tamanho dos seus problemas.

Mas ... se não fosse ESTE exato segundo que VOCÊ está vivendo, o Universo não seria o Universo. Pense nisso quando for medir-se a si mesmo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Convicções e conveniências

Filho, você verá que, em tese, muitas pessoas concordam em pontos basilares para a construção de um mundo melhor: pregam a paz, o bem, o amor, a gratidão, a retidão. Mas se tanta gente pensa assim, tem a alma tão consciente, por que o mundo parece se dirigir, às vezes a passos largos, para a guerra, o mal, o ódio, a indiferença, a corrupção?


Você precisará estudar nos discursos a fonte das palavras: elas nasceram da garganta ou do coração? Eles representam o que a pessoa é ou só o que acha certo ser - ou, pior, o que acha que é bonito aparentar? Na aplicação da teoria que a pessoa professa ao seu próprio dia-a-dia está a chave desse conhecimento:
  • Esbraveja contra a corrupção, mas, alegando valores altos de multas, abre exceção para si próprio e suborna um agente da lei;
  • Propala o poder do diálogo, mas é surdo e belicoso para quem lhe retira de seu conforto mental, propondo reflexões ou mostrando situações que estremecem seus argumentos cristalizados;
  • Discursa sobre a paz, mas, na intimidade do lar, alegando descontentamentos com posturas alheias, subjuga, maltrata e agride a título de autodefesa;
  • Condena a pena de morte, mas só até que algum seu querido seja vítima de grave violência e, então, passa a prontamente admitir o assassinato;
  • Censura a mentira, mas, a pretexto de autopreservação, recorre a ela sem constrangimento;
  • Promulga a justiça, desde, é claro, que ela seja aderente às suas aspirações;
  • Prega uma fé religiosa, mas dela faz retalho, aplicando para si apenas as sentenças que interessam no momento.

O que é convicção, meu filho, não se molda por situações exteriores. O que é conveniência sim. Há outros traços gerais pelos quais você poderá distinguir uma coisa da outra. Para o que vive de "ética de conveniência":
  • A culpa é sempre do outro, jamais de si próprio;
  • As desculpas são fartas e variadas, porque ele busca nelas com força o autoperdão;
  • É seletivo nas coisas que divulga, filtrando apenas aquelas que contribuem para suas escusas;
  • Tem profunda dificuldade de pedir desculpas e admitir os próprios erros;
  • A ingratidão costuma ser traço de seu comportamento.

Mas, mais importante do que detectar essas atitudes fora é identificá-las dentro: reflita sempre, meu amor, sobre o que você é e o que você ainda está em busca de ser. Seja honesto consigo mesmo e com os demais. Cuidado com radicalismos. Ouça. Guarde. Observe. Medite.

Expandir, com consciência e honestidade, o que você conhece de si próprio é o único caminho para abandonar o discurso conveniente e transformar os princípios em que você acredita em construção sólida em torno de sua essência - em convicção.

domingo, 1 de outubro de 2017

Jesus

Filho querido, vivendo em uma sociedade ocidental, você certamente ouvirá falar de Jesus. Não se deixe enganar pelos misticismos fáceis.

"Prince of peace", pintura de Akiane Kramarik com 8 anos (link)

Este homem, um carpinteiro (seria o equivalente a um mestre de obras hoje), nasceu em uma sociedade totalmente corrompida, dominada por um poder político opressor por um lado e por líderes religiosos vazios de outro. Ao contrário de muitos outros que lideraram levantes armados, ele optou pelo caminho da educação consciencial, do confronto de ideias, da coragem.

Andava com os excluídos sem julgá-los, condenava abertamente a violência física e ideológica, se cercava de pessoas simples mas com vontade de trabalho, era absolutamente assertivo numa comunidade acostumada com as exterioridades hipócritas da religião de teatro e vivia a simplicidade que pregava.

Em mais de 2.000 anos, o mundo só mudou em coisas externas. Nas batalhas interiores pelo autoconhecimento, ainda não somos diferentes das agremiações daquela época. Por isso, é importante perguntar: onde estaria ele hoje?

Nos quartos e carros confortáveis dos que dizem representá-lo? Nas construções suntuosas levantadas em sua homenagem? Nas estátuas de ouro onde dizem ter esculpido sua figura? Nas guerras levadas a cabo em seu nome? Ao lado das armas que ele próprio instruiu a guardar? No discurso fácil do conservadorismo? Da "boa família" pasteurizada? Pela proibição?

Ou ...

Com as pessoas que ainda enfrentam a fome, excluídas e esquecidas pela ganância? Quebrando, como fez, as riquezas preciosas incontáveis e inúteis em tantos corredores feitos para ele? Com as mulheres obrigadas a se prostituir para alimentar seus filhos? Nas paradas gay, lutando por respeito? Na economia colaborativa e igualitária? Ao lado dos defensores do meio ambiente? Pelo amor?

Quando ouvir falar desse personagem, meu filho, não se esqueça de quem ele foi. Retire de sua mente o que tentam fazer dele apenas em benefício próprio, tentando, com isso manter seu poder sobre o povo e subjugá-lo: um covarde insensível místico, um mágico europeu.

Leia sobre ele, e se quiser honrar sua história, entenda-o como um dos maiores revolucionários de todos os tempos - um homem do povo que inspirava a todos. E siga seus exemplos na defesa do que é justo, da humildade, da honestidade, da objetividade, da liberdade.

Talvez o Cristo esteja em algum lugar bem longe dos cristãos. Procure-o onde ele estaria e não onde dizem que ele está.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Tudo tem seu preço

Meu filho, preste atenção no que te digo: não há ação – boa ou ruim – sem consequências. Na feira das atitudes, não se engane: não há mercadoria grátis.


Se você tiver “sorte”, alguns desses laços causais podem se fazer visíveis imediatamente, o que, por mais doloroso que seja, facilitará o seu julgamento; a maior parte das vezes, porém, não é isso que acontece. E mora aí justamente o maior dos perigos: a cegueira dos efeitos.

Pode ser que a resultante de uma dada postura demore muito para aparecer – talvez anos ou mesmo décadas. Pode ser até que jamais se mostre externamente. Você pode até esquecer da conta, mas ela não esquecerá de você.

Isso não necessariamente é algo negativo: seus gestos genuinamente construtivos e desinteressados serão, nas horas em que você mais precisar, tapetes sob seus pés, a aliviarem o cansaço da caminhada. A alma em paz consigo mesma, consciente de estar cumprindo seu papel no mundo, experimenta frutos dessa horta desconhecidos do egoísta visceral.

Te sugiro:
  • Para os efeitos de um erro: prefira a modalidade “pré-pago” – assuma-o e comece tão logo o detecte o movimento de repará-lo. Para os acertos: faça o oposto: não procure e, se vir, esqueça os desdobramentos do bem que você fez. No primeiro, os juros estão contra você; no segundo, a seu favor.
  • Simule na sua mente os resultados internos e externos de suas escolhas. Seja abrangente. Para ajudar nessa meditação, para cada cenário, imagine-se em posições diferentes da sua.
  • Você sempre tem opção. Sempre. Se enxergar um caminho único, não é a estrada que está estreita, é a sua visão que está turva.
  • Não plante espinhos à toa na estrada que você terá que voltar a percorrer. Mas não deixe de plantar flores por medo. Pior do que os espinhos é o nada.
  • A coisa que normalmente tem preço mais alto: o egoísmo. Desenvolver a capacidade de pensar no outro e atuar em favor do seu crescimento não é só uma expressão de “bondade”, mas de inteligência.

Ao fim das contas, pergunte-se: "quanto / quando / até quando eu estou disposto a pagar"?

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Os tesouros escondidos no deserto

Meu filho, a juventude te dará uma visão de bondade e esperança no mundo. As dificuldades do caminho e as maldades das pessoas, em contraponto, te oferecerão outra: de desilusão e desesperança. Acalme-se: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Como viver num mundo árido mas sem perder o brilho nos olhos que arrepia o corpo e te impulsiona para frente? Eu te sugiro: busque os "tesouros escondidos no deserto".


O pessimismo cega. O otimismo também. Em um, só há areia. Em outro, só ouro. Não saber distinguir entre eles é fonte de frustração. No meio de longas faixas de areia, há ouro escondido; e imiscuída no ouro sempre há areia.

Em meio a grandes tristezas e tragédias, há sempre "presentes" que você deve valorizar, sem com eles se deslumbrar:
  • Em uma dificuldade, o reencontro com os amigos verdadeiros;
  • Em uma doença, a consciência da finitude da vida e a vontade de realizar;
  • Em uma desilusão, as alternativas esquecidas e às vezes próximas;
  • Em uma dúvida, a presença (mesmo que na memória) dos pais e mestres.

E você não precisa sequer esperar momentos de aflição para apreciar as belezas que te cercam:
  • O corpo que te serve de veículo ao pensamento;
  • O Sol que sustenta a vida;
  • A casa que te abriga;
  • A beleza de uma poesia ou uma pintura;
  • O olhar sincero das pessoas que te querem bem;
  • Uma risada com os amigos de infância;
  • Um carinho no colo do seu pai.

Atento aos faróis plantados em meio às nuvens é que você poderá navegar em direção ao horizonte de desenvolvimento e paz que te espera.


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Quando ... você se sentir dominado pela tristeza

OBS: Este é o primeiro texto na série "quando". Não está ligado a nenhum setênio em particular - é para "quando acontecer".

Meu filho, um dia você pode se ver fraco diante de si mesmo, consumido por uma tristeza tão profunda que te congele o pensamento e a ação.

  • Sua memória ficará embaçada, fixada no momento atual. Force-a para povoar sua mente com momentos felizes relacionados à causa do seu estado. Nunca perca os contextos.
  • Na solidão atordoante, as pequenas vozes parecerão gritos. Você tenderá a supervalorizar problemas. Não se amedronte com grandes sombras de seres minúsculos.
  • Não espere a vontade de sair de seu buraco: ela está asfixiada - é péssima conselheira. Sua razão deve assumir o controle, planejar e agir no que precisa até que a emoção se reequilibre.
  • Não tome decisões importantes.
  • Use seus amigos, ouça-os, mas não siga de imediato seus conselhos.
  • Não se puna, não se sabote: não mate sua própria felicidade futura por orgulho - para que os fatos "pareçam confirmar" sua posição presente.
  • Respire em silêncio ou cante sozinho suas músicas preferidas. Isso higienizará sua casa interna.
  • Faça a barba. Corte o cabelo. Ajudará a formar uma nova imagem de si mesmo rapidamente.
  • Alimente-se corretamente, de preferência de forma leve. Coma folhas verdes após as refeições.
  • Sinta a luz do Sol e observe a Lua à noite. Todo dia e toda noite. Gaste 10 minutos sob sua imagem, sem pensar em nada.
  • Considere buscar apoio psicológico/médico caso o cenário se prolongue por mais do que uma semana ou se repita muitas vezes com as mesmas características.
  • Lembre-se de que seu pai te ama. E que você é especial.

Você pode sofrer golpes. Mas não se deixe vencer jamais. Você não nasceu para capitular.

sábado, 19 de agosto de 2017

Ciclos

Filho querido, os antigos pensadores, em especial os orientais, enxergavam nossa existência como uma série de círculos (aliás, sua figura geométrica preferida hoje). O que são e como trabalhar com eles?


O corpo lida com alguns ciclos, sendo os básicos e já conhecidos:
  • O do ar: respire pelo nariz e expire pela boca. Faça respiração abdominal, não torácica.
  • O da água: beba água e urine várias vezes durante o dia. Se trabalhar em algo que te consuma atenção, tenha sempre consigo uma garrafa d'água.
  • O da comida: coma pouco e sempre, digira com tempo e defeque com calma. Ter horários fixos para café-da-manhã, almoço e janta ajuda.
  • O do sono: durma no silêncio e com a luz apagada. Seus hormônios são gerados e suas memórias organizadas nele.

Além deles, acrescento um, que é da alma:
  • O da felicidade: busque um momento feliz por dia e deixe que ele consuma alguns minutos do seu pensamento à noite. O coração acostumado a buscar felicidade jamais se congelará.

Para todos eles, do corpo e da alma, lembre-se:
  • O momento do ciclo precisa ser respeitado com presença genuína. Esteja consciente, sempre que possível, como exercício, a cada um deles.
  • Os ciclos precisam se fechar. Alguns levam segundos, outros séculos. Não importa. Mas eles precisam se fechar para terem sentido.
  • Não apresse nem atrase os ciclos artificialmente (este é um princípio taoísta conhecido como wu wei). Antes, conheça-os, respeite-os e trabalhe com eles, com serenidade.

No ciclo da vida, meu amor, a realização só encontra quem gira no compasso.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Olhe o caminho!

Meu filho, nossa vida é uma estrada com numerosos caminhos interiores que se sucedem e às vezes se interpolam. Em uns, você estará sozinho, em outros, acompanhado; em uns, decidido, em outros, vacilante; em uns, disposto, em outros, cansado; em uns, com o horizonte límpido, em outros, com a vista turva; uns serão planos, outros, subidas; uns darão prazer, outros, enfado. Como percorrê-los, então? Haverá fórmula?


Normalmente, como em tudo, observe os exemplos da vida cotidiana. Como você faz para caminhar na rua, instintivamente? Você olha, vezes mais, vezes menos, para 4 lugares: para frente, para o chão, para o lado e para trás. Faça o mesmo com os caminhos da alma:

  • Para frente: fixe seu objetivo. Vise o futuro. Mas cuidado: você será tentado a achar que as metas parciais são o objetivo final. Não são. Seu objetivo tem que ter a ver com seu progresso, seu aprendizado, sua vocação, seus talentos, seus princípios. Seu objetivo é inegociável. Quem não olha para a frente se perde.
  • Para o chão: saiba onde está pisando. Conheça o presente o melhor que puder para que você não viva só sonhando com o porvir. Quem não olha para o chão, tropeça.
  • Para o lado: conheça quem caminha verdadeiramente ao seu lado. Saiba diferenciar essas pessoas das sombras que elas projetam, falsas e fugidias, apenas para aurir benefícios. Dar a mão a uma sombra num momento de dificuldade fará com que você não tenha ponto de apoio. Quem não olha para o lado, não supera obstáculos.
  • Para trás: não se esqueça do que fez você chegar até ali, seu passado ativo. Encare-o, por pior que seja, com altivez, para que você não seja surpreendido por ele. Quem não olha para trás, é atropelado.

Mas não é suficiente: se você gastar seu tempo em apenas um ou dois deles, poderá não ter sucesso. Seus olhos do coração precisam se movimentar o tempo inteiro para que nenhuma visão te seduza a tal ponto de você perder as outras. O segredo está no equilíbrio para alcançar o timing preciso, para que você não se perca, nem tropece, nem se trave e nem seja atropelado.

Boa caminhada!

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Machucados

Filho, a não ser que você viva completamente isolado, duas coisas são certas: 1. você vai ser acusado de ferir outros corações; e 2. você vai se machucar com atitudes de outras pessoas. Toda vez que acontecer, reflita sobre o que seu pai te escreve aqui:


  • Às vezes, um abraço quieto consegue transmitir um pedido de desculpas muito melhor do que uma tese de motivos.
  • As feridas às vezes são inevitáveis. Ódio ou vingança não.
  • Todas as pessoas têm o direito de não gostar de você. Muitas vezes - você descobrirá - isso nada tem a ver você, mas com traumas profundos delas próprias. Se for o caso, não adianta tentar ajudar. Deixe-as consigo mesmas: elas encontrarão o caminho - sem você.
  • Você é responsável por falar a verdade, pedir desculpas se errou e buscar reparar seus erros. Você NÃO é responsável pelo que as outras pessoas fazem com isso. Aja, seja honesto, mas busque antes sua paz interior, sua consciência limpa. Algumas coisas estão fora do seu alcance.
  • Não deixe a injustiça das outras pessoas te ferir - isso é um problema delas com Deus.
  • Não insista em falar ou se explicar se as outras pessoas não querem te ouvir ou nada fazem com aquilo que já ouviram mais de uma vez.
  • Não deixe culpa se transformar em tristeza. Faça com que ela se torne ação.
  • A combinação silêncio + tempo é poderosíssima para quem tem o coração tranquilo. Use-a.

Faça com os ferimentos do coração o que se recomenda com os do corpo: higienize-os - tire deles quaisquer pensamentos inferiores -, deixe-os abertos - não os ignore, olhe para eles com respeito - e dê tempo para que sarem - sem se inquietar com isso.

E, por fim, mantenha caninamente seu compromisso com seus princípios éticos. Eles não podem depender da atitude de ninguém e nem do seu humor, senão são apenas conveniência social, não são valores reais. As feridas não podem nunca mudar, nem por um segundo, o que você é.

Cure-se sempre e ajude a curar sempre que puder. Você sempre sairá mais forte. Não é a ausência de ferimentos que faz um ser humano progredir: é o que se aprende com eles.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Deus

Meu filho, jamais existiu na História uma sociedade primordialmente composta por ateus. Parece existir nos povos de todas as épocas, culturas e costumes, tão diferentes entre si, algo surpreendentemente comum: uma tendência coletiva à aceitação da existência de um ou mais deuses.


É claro que há uma diversidade natural nas formas de se expressar essa ideia inata, todas elas compatíveis com o próprio progresso do pensamento e da Ciência. Quanto maior o grau de ignorância do funcionamento das coisas, maior o materialismo e a humanidade desse Ser Supremo sobre a vida cotidiana: deuses-animais, deuses-sentimentos, deuses-vingadores, deuses-humanos, deuses-favorecedores, etc. O mais interessante é que, com o tempo, ao invés de a ideia de um Criador se desfazer, como ocorreu com milhares de outras, ela se fortalece, mas se transformando, se reinventando, se desmaterializando, se purificando.

Hoje convivemos com diferentes graus de crença (ou descrença) nesse Arquiteto do Universo. Você deve respeitá-las todas. A sua, qualquer que seja, não é nem melhor nem pior, nem mais nem menos óbvia, nem mais nem menos inteligente, nem mais nem menos digna, do que qualquer outra. Posta esta primeira instrução, passo a listar alguns pensamentos meus sobre o tema para você:

  • Fé não faz de ninguém melhor do que o outro. Ação sim. Verdadeira. Genuína. Consciente.
  • Não perca a oportunidade de contemplar a beleza da vida. Essa reflexão com sentimento lhe trará algumas algumas respostas que nem a vida inteira de pensamento poderá lhe dar.
  • Se sua crença se cristalizar em algo fácil, volte. Você pegou um atalho que não leva a lugar nenhum. Se te levar a uma separação de seres humanos com base em exterioridades, pior ainda. Corra para longe dali rápido: você, além de perdido, está ameaçado.
  • Provar ou não a existência de um Ente Criador é um exercício de elucubração, mas não leva a nenhum resultado prático satisfatório. Muitos filósofos dedicaram muito esforço a isso e sempre se escolhe aquele de maior agrado ao que se quer, sem qualquer conclusão. O entendimento de uma realidade supra-humana só pode ser alcançado com inteligência supra-humana. Não é através do intelecto que se avança depois de determinado ponto.
  • Se não se pode saber o que Ele É, com certeza se pode saber o que não é por impossibilidade de coerência. Retire de sua concepção do Divino qualquer aspecto humano. Não o admita ciumento, vingativo, parcial, barganhador, carente de adoração, nada disso.
  • Não é honesto pedir a Deus favores pessoais nem deixar sua crença condicionada a eles. Seria tomá-lo por demais infantil ceder a esse tipo de chantagem. Se algo não ocorreu como você esperava, não é culpa Dele e se algo ocorreu que te deixou feliz não é favor Dele. Tudo é aprendizado. Considere Deus um Educador, jamais um parceiro de trocas de favores.
  • Se for pedir algo, peça força e sabedoria para retirar das situações da vida aprendizados profundos que te transformem a alma para melhor. Todo o resto é fonte de frustração e aborrecimento desnecessários. Se for agradecer, agradeça a oportunidade de crescer em consciência de si próprio e do mundo.

Por fim, meu filho, não se culpe se não tiver inclinação à crença externa a Deus. Nem seu pai, nem Ele, se importam com rótulos. O que vale é que você seja sincero com sua consciência e seja um homem de bem. O resto é humano.

Que Deus te abençoe.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Fatos x interpretações

Meu filho amado, você se surpreenderá, de situações cotidianas, de notícias corriqueiras que você lê nos jornais ou até que você observa diretamente o quanto você jura serem fatos, trata como fatos, propaga como fatos mas que, na realidade, são cenários derivados de suas leituras, de sua experiência com ocorrências análogas, de seus sentimentos, até de seus preconceitos. São, no fim das contas, apenas a sua interpretação: jamais existiram na prática. O cérebro, em princípio, não separa as duas coisas, portanto, muito cuidado! Cuidado para não assumir visões como verdades, porque isso pode te levar a cometer profundas injustiças e a ferir pessoas corretas.


Como fazer, então? Em tudo na vida busque a consistência. Ela pode estar oculta, mas sempre existe. Nessa linha você terá mais chances de se aproximar dos fatos. Por exemplo: se alguém sempre foi ético, honesto, transparente, coerente, não possui ações que desabonem sua conduta, e aparece sobre essa pessoa um evento controverso qualquer, pare, analise, pondere, observe, pergunte, consulte. Certamente haverá aí nós fundamentais que você desconhece.

Te digo mais:
  • Veja a cena completa. Evite se ater a retalhos de situações. Quem reconhece um elefante pela cauda acredita ser uma cobra.
  • Não julgue sem ouvir diretamente todos os lados. Eu disse: diretamente.
  • Não propague nada sem conferir antes pessoalmente a veracidade do que vai dizer. A palavra lançada não pode mais ser recuperada.
  • Não dê razão a quem fala mais ou grita mais alto. O silêncio é, muitas vezes, exatamente a maneira de quem é decente preservar outras pessoas - não uma declaração de culpa.

O mundo, filho, tem muita facilidade em julgar. Viciou-se a tal ponto em falar de tudo irresponsavelmente que perdeu a linha divisória entre a realidade e a imaginação. E normalmente não se importa com isso. Você precisa buscar agir diferente.

Passe pela fumaça das alegações, das reclamações, das visões, e ache, no meio dela, as rochas que sustentam os fatos. O caminho não é fácil, mas não existe justiça nem honradez sem o emprego da prudência necessária, sem o tempo gasto em distinguir fatos e interpretações.

A verdade será sempre a verdade. Persiga-a.

domingo, 5 de março de 2017

Conexões

Meu filho, desde a formalização do método científico, no século XIX, temos assistido a uma ultra especialização do conhecimento científico e da própria educação. As matérias são estanques e muitas vezes concorrentes, o foco é em seu conteúdo exclusivo e massacrante e os espaços entre elas - os vácuos, os silêncios, as conexões -, que sempre foram a fonte primária de inspiração das inovações no mundo estão esquecidos. Você não deve ignorá-los - há um tesouro escondido aí.


Os antigos filósofos eram, ao mesmo tempo, artistas, historiadores, matemáticos, comunicadores, astrônomos, engenheiros. Por quê? Porque seu foco de aprendizagem e ensino eram as coisas da vida real pela observação da Natureza. Nelas, tudo está intrinsecamente misturado: não é possível olhar para um simples artefato, como uma colher, por exemplo, sem enxergar sua geometria, a física de sua construção, as propriedades químicas do líquido que carrega, a história de seu uso no mundo, sua geografia, suas utilidades objetivas no dia-a-dia. Tudo isso está ali, ao alcance de sua mão.

Como a sociedade ocidental ficou durante séculos oprimida pelo pensamento religioso dominante, sua libertação após o Iluminismo e as outras revoluções encontrou um passivo atrasado muito grande no campo das ideias, da criatividade. Com isso, a Ciência adquiriu um rápido desenvolvimento e aprofundamento e, por falta de tempo ou interesse, os campos de conhecimento foram se distanciamento, como se cada órgão do corpo só se preocupasse consigo próprio e, com isso, esse corpo perdesse a harmonia e caminhasse para seu ocaso.

Pois eu lhe digo, meu filho: o maior brilho do conhecimento humano está nas entrelinhas do pensamento cognitivo, nas conexões que existem entre os saberes, em sua relação de causalidade e em sua integralidade com o foco na vida que existe. Mas esse ensino que te deixo não é mais natural. É preciso que você se treine:

  • Esforce-se por conectar as matérias que você estudar na hora em que estiver estudando;
  • Foque-se em objetos da vida real e faça o exercício inverso: deles para o conhecimento teórico, buscando a harmonia das disciplinas neles, de forma natural. Veja matemática na música e história na queda de um fruto de uma árvore;
  • Faça metáforas, exercite sua capacidade de fazer comparações;
  • Escreva histórias, de preferência para crianças;
  • Dê aula;
  • Não despreze conhecimento, mas não aceite aquilo em que você não enxerga utilidade. Se você não vê finalidade em algo que vai estudar, reavalie se deve mesmo gastar o tempo naquilo.


Veja com os olhos de ver e a Ciência poderá, outra e outra vez, se desenvolver em seu cérebro, em seu coração e em sua alma, não conhecendo a especificidade para gerar mais burocracia científica, mas as conexões para enxergar no prazer de conhecer a beleza da Natureza, da vida.