À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Ano Novo

Filho, este será seu primeiro Ano Novo. Existiram e ainda existem em nosso mundo muitos calendários. Em todos eles é marcada a contagem dos anos. E em todas as tradições que os usam há festas específicas para celebrar as transições. Por quê?


Há basicamente três tipos de calendários: os solares (como o gregoriano e o persa), os lunares (como o islâmico) e os lunissolares (como o judaico e o chinês). Todos eles, portanto, se baseiam nos movimentos relativos dos astros. Nos calendários solares e lunissolares, o ano é marcado por uma volta completa da Terra em torno do Sol. Se é apenas um fenômeno astronômico recorrente, por que tanta festa no Ano Novo?

Guarde o que vou te dizer como regra geral: nunca analise os comportamentos humanos reduzindo-os à sua fundamentação física, histórica ou orgânica. No complexo da alma humana, há meandros que escapam ao objetivo-racional, tal como disse o grande matemático Pascal no século XVII: "O coração tem razões que a própria razão desconhece". O Ano Novo não seria uma exceção.

As pessoas têm a tendência de, com a rotina, se deixarem absorver pelas tarefas cotidianas, matando, silenciosamente, sua capacidade de inovação, sua criatividade, mesmo sua esperança e vontade de viver. É preciso criar marcos que nos lembrem da necessidade de renovação.

Isso é especialmente verdade quando um novo ano se inicia: é como se tivéssemos a chance de fazer diferente aquilo de que nos arrependemos ou no que nos omitimos. Há ainda um agravante: mais velhos e com mais experiência, nos damos menos chance de errar de novo.

Aproveite, portanto, meu filho, essa vontade, essa tendência de reavaliação, de renovação, de reflexão, que está "no ar" nessa época e deixe nascer, no silêncio do recolhimento útil, em sua disposição íntima, também um Ano Novo. Se puder, depois, faça isso todo mês, toda semana, todo dia. Quanto mais se reinventar, melhor você será, mais feliz, mais realizado.

Feliz Ano Novo, meu amor.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Rota de escape

Filho, 500 anos antes de Cristo o general e filósofo chinês Sun Tzu escreveu em sua obra A arte da guerra o seguinte: "A um inimigo cercado deve-se deixar uma via de escape". O que isso significa?



Por que um general daria uma recomendação assim? Não é estranho que não quisesse arruinar e aniquilar o inimigo? Pense. Com essa estratégia, ele, ao mesmo tempo:
  • Evitava mortes no seu exército, porque quem não tem outra opção, a saída é lutar até a morte.
  • Não retirava uma vida humana podendo poupá-la, angariando simpatia pela fama de honradez.
  • O inimigo que fugiu faria propaganda da derrota e da sua clemência, se tornando talvez seu maior divulgador, mesmo sem querer.

Uma vitória imediata se transforma, assim, numa conquista prolongada, mais efetiva, mais humana, mais digna. Se não pelo bem, pelo menos por inteligência o conselho deveria ser seguido.

Obviamente o antigo filósofo se referia às guerras corporais, físicas, de seu tempo, mas esse ensinamento serve também para todos os embates saudáveis, no campo das ideias e dos argumentos, que ocorrem na vida. É o que eu chamo de ética do debate. Siga, também, essa recomendação:
  • Não humilhe seu adversário. A raiva que você depositar sobre ele, massacrando-o além do necessário, só terá por consequência fazê-lo se voltar contra você como única opção.
  • Não leve a discussão além do limite da utilidade do assunto. O foco precisa ser na ideia e não na pessoa. O assunto esgotou? Encerre a discussão.
  • Se vir que está errado, use a saída, reconhecendo o erro com dignidade e fazendo o possível para superá-lo. Há muito mais erro em manter-se errado sabendo-se errado do que admitir-se errado para estar certo no futuro.
  • Observe o jogo de xadrez. O jogo termina quando o rei adversário fica sem saída. Mas ele não é retirado do tabuleiro como as outras peças. Mesmo que vença um embate, preserve a dignidade do rei.

As vozes dos sábios antigos nos trazem ensinamentos até hoje. Mas é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Natal

Meu filho, acredita-se que Jesus possivelmente nasceu em abril, durante a primavera no hemisfério norte, pelas narrativas contidas nos evangelhos (por exemplo: pastores vigiando seu rebanho à noite, o que seria impossível na região de Belém no inverno). Por que então, desde o século IV, comemora-se essa data no dia 25 de dezembro? Qual o seu significado real?


Por volta de 22 de dezembro, o Sol está em seu ponto mais afastado do hemisfério norte - é o solstício de inverno. Para pedir que o calor do Sol voltasse e ele não se distanciasse mais, os pagãos criaram o festival do Sol Invicto, mais ou menos nessa época (25 de dezembro). Era uma festa muitíssimo popular quando a igreja cristã nascente ainda tentava se estabelecer (normalmente pela força) com Constantino no antigo Império Romano. Para que não houvesse muita rejeição à nova religião oficial, institucionalizou-se que Jesus teria nascido exatamente nessa data, sendo ele identificado logo com o deus-sol,  que regia as festividades.

Por incrível que pareça, será nas celebrações pagãs originais, em seu sentido simbólico, que encontraremos oculta a essência do Natal - muito mais do que em presentes comerciais, Papai Noel ou comilanças de toda sorte. E isso independente de ser cristão ou não, ser religioso ou não, acreditar na figura humana ou mística do Cristo ou não.

Instituímos que uma vez por ano nos lembramos, quando o "frio" está em seu auge, que precisamos nos lembrar do "Sol". Absorvidos pelas necessidades da vida cotidiana, nosso foco normalmente se concentra mais na sobrevivência do que na transcendência, no sentido da melhora íntima, integral, racional e emocional. É preciso, portanto, que nos imponhamos marcos, despertadores constantes, que nos forcem a quebrar o ritmo descendente da rotina implosiva e nos arranquem da visão hipnótica de volta à nossa trajetória para o alto de nós mesmos. Esse momento é o Sol Invicto - o brilho que adormece em nosso íntimo, mas que jamais é vencido; que se afasta, mas retorna; que precisa ser relembrado, cultuado, redespertado, para que nos lembremos que somos humanos.

Não foi justamente essa a missão histórica de Jesus? O que ele fez por um povo degradado em si próprio, esquecido dos próprios valores, nós podemos fazer por nós. Para isso, comemoramos o Natal, o Sol Invicto que deve continuar a resplandecer em nós.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Empreender

Meu filho, a diversidade das características advinda da variabilidade genética é o que permite a adaptação e, por consequência, a sobrevivência das espécies. No caso do ser humano, as aptidões intelectuais, emocionais e sociais deveriam fazer esse papel, mas têm sido sufocadas pela padronização imposta pela burocracia e pelas empresas, em modelos ultrapassados. Quebrando essa lógica perversa e imobilizante, existem os empreendedores. É preciso conhecê-los, valorizá-los e, quem sabe, integrar suas lides.


Mesmo o mais ignorante, preguiçoso e egoísta ser humano tem ao menos uma boa ideia na vida. Mas nem por isso se torna um empreendedor. Nos locais mais inóspitos igualmente nascem plantas, mas nem por isso elas se tornam gérmens de florestas ou ecossistemas.

Mas se você sentir o chamado para a inovação útil, para a contribuição personalíssima sua para o mundo através do empreendedorismo responsável, considere esses passos:
  • Anote sua ideia. Mantenha silêncio sobre ela com os outros.
  • Pegue um bloquinho (ou algo similar, que você possa carregar e anotar rapidamente) e batize-o como a incubadora da sua ideia. Tudo relacionado a ela que vier à sua mente ao longo de alguns dias deve ir para ele. É a incubação.
  • Quando sentir que pouca coisa nova está sendo acrescentada, é hora de ela metamorfosear. Transforme a ideia em um conceito. O conceito é algo que tem a ver com alguma necessidade individual ou coletiva. Para quem? Quando? Por quê? E se não? são perguntas que precisam ser pensadas na conceituação. Evite materializar o conceito por hora.
  • Quando as perguntas estiverem esgotadas de respostas novas, é hora de metamorfosear de novo. O conceito deverá se transformar num protótipo. O protótipo é um ambiente de teste controlado para submeter o conceito à prova. É hora de aplicar o conceito em poucas pessoas de sua confiança, mas sem falar que é um conceito de algo novo. Aplique sem explicar muito. Veja o resultado. Revisite o conceito se necessário.
  • Quando o protótipo estiver suficientemente maduro, é hora da última metamorfose: de protótipo a produto. Nessa fase, você estará frente às necessidades empresariais: divulgação, financiamento, logística, fluxo de caixa, empregados, o que for necessário. É bom procurar ajuda especializada de algum órgão com experiência. Comece.

Não seja apressado. Não deixe-se levar pela empolgação. Empreender é planejar, testar e agir. Pular etapas só fará com que você perca o seu tempo.

Por fim, lembre-se: empreender é cuidar do jardim do mundo das ideias, disciplinar o adubo do mundo dos sentimentos e deixar crescer com a força do mundo das ações. A união dessas três potências transforma ideias em realizações, desde pequenas a grandes. Para esse processo vale a frase de Walt Disney: "If you can dream it, you can do it" ("Se você pode sonhar com algo, você pode fazer").

sábado, 19 de dezembro de 2015

Os cegos, o elefante e a verdade

Meu filho, o que é a verdade? Abaixo reproduzo um conto hindu para te fazer refletir:


Numa cidade da Índia viviam seis sábios cegos.
Certo dia, chegou à cidade um comerciante montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao encontro dele.

O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou: 'Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem; parecem paredes…'
- 'Que bobagem!' – disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. – 'Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra…'
- 'Ambos se enganam' – esbravejou o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. – 'Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia…'

- 'Vocês estão totalmente alucinados!' – gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. – 'Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante…'
- 'Todos vocês, mas todos mesmos, estão completamente errados!' – irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. – 'Este animal é como uma rocha com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele.'
E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o comerciante, ouvindo a discussão, decidiu interferir. Pediu-lhes que dessem uma volta ao redor do elefante, tateando-o.
Quando todos tatearam os contornos do animal, envergonhados, perceberam que todos eles, os sábios, estavam certos e enganados ao mesmo tempo.
Então o comerciante, que não era sábio, mas podia ver, disse:
- 'É assim que os homens se comportam perante a verdade. Pegam apenas numa parte, pensam que é o todo, e continuam tolos!
'”

Cuidado, meu filho, quando achar que detém a verdade! Nossos sentidos são muito obtusos. Todo radicalismo de manter nossa posição parcial, agarrados ao cadinho ilusório de verdade, só atrasa nosso progresso. Questione-se sempre, adie o julgamento. Se alguém te surpreender com uma verdade diferente da sua, agradeça ao invés de se aborrecer. Ele está te fazendo "dar a volta no elefante".

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Humildade

Filho, as tradições religiosas, de uma forma ou de outra, ensinam que o homem é fruto da terra. Naturalmente é uma visão metafórica, mas serve como ilustração dessa ligação íntima que nos fala muito sobre nossa origem, nossa vida e nosso destino. Pensemos junto.


Veja como a história da origem de nossa língua nos traz um conhecimento importante:
  • A palavra humildade vem do latim humilitas, derivada de humus, que significa "terra".
  • A palavra homem vem do latim homo.
  • Mas a palavra humano vem de humanus, que é a junção de homo e humus. 

Etimologicamente - veja que interessante - vemos que para que o homem (ser biológico) seja de fato humano (ser integral), ele precisa estar ligado à terra, precisa ter humildade.

A mitologia grega também nos traz a mesma lição na forma de uma história: Anteu era um gigante, filho do deus Poseidon e de Gaia. Derrotava todos os seus inimigos após convocá-los para lutas corporais. Hércules, entretanto, descobriu que, sendo filho de Gaia, sua força vinha da terra e o derrotou não lançando-o ao chão, mas levantando-o no ar até que ele morresse desfalecido.

A "terra" é mais do que a terra física, simboliza nossa origem, mostra nossa conexão como espécie, estabelece nossos limites, nos faz vislumbrar nosso destino. Nossa "terra" são nossas raízes mais profundas, que nos alimentam, que nos sustentam. Saber disso é ser humilde. Por isso, filho, reflita:
  • Homem você será até morrer. Ser humano é escolha sua.
  • Seu corpo veio da terra e retornará a ela. Sua oportunidade de ser algo além dele está na relação que você estabelecerá com a "terra" em torno dos seus pés.
  • Você é bípede, significa que deve ter apenas os pés no chão para que as mãos fiquem livres para o trabalho, o coração livre para o caminho à frente e a cabeça livre para o "céu" acima.
  • Sempre que alguém levantá-lo além do que você pode alcançar por si só, cuidado - você poderá se desconectar de sua fonte de força - sua humildade.

Menos simbolicamente, sempre que sentir-se desconectado de si próprio, sempre que, em sua vida, estiver a questionar a si mesmo, isole-se e finque seus pés na terra ou na areia. Pense lá um pouco, com humildade. A conexão física às vezes é um bom veículo da conexão do sentimento e da razão.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Presente

Filho, é comum em nossa sociedade o ato de comprar algo para os outros em datas especiais: é o "presente". Gostaria de refletir com você sobre esse assunto porque há sobre isso o risco de banalização e de efeito invertido.


O nome "presente" foi inventado para que alguma lembrança fosse enviada por alguém que não pudesse ir pessoalmente a um evento. Era como se através do objeto ofertado, a pessoa ausente "se fizesse presente", daí o nome "presente". Ao longo do tempo, por interesses variados (principalmente comerciais), tornou-se necessário, mesmo quando se "está presente" também "dar presente", ou seja, de acordo com a acepção original, ir e, ao mesmo tempo, se fazer representar, como se fosse possível.

Não estou condenando o ato de comprar um item e ofertá-lo a outra pessoa, por uma ocasião como aniversário ou Natal. Mas existem formas e formas de fazê-lo. É importante, qualquer que seja ela, cobri-la de significado genuíno. Por isso compartilho alguns pensamentos contigo:
  • O melhor presente é estar presente. Se a ocasião é importante, esforce-se por estar lá.
  • Comprar um presente pode ser um ato automático ou pensado. No final das contas, comprar uma coisa qualquer, genérica, para não dizer que não levou nada, soará como falta de importância. Às vezes é mais honesto não levar nada.
  • Prefira presentes simples e originais, com características que tenham a ver com a pessoa presenteada ou com alguma situação que tenham vivido juntos.
  • Considere montar seu próprio presente. Não há demonstração de maior apreço do que oferecer algo feito com suas próprias mãos.
  • Se não levar presente, seja por que razão for, escreva um cartão.

Tudo o que você der de material para os outros um dia acabará, por melhor que seja. Seu maior presente precisa ser você próprio: sua atenção, seu carinho, a importância que você dá. Pode ou não vir com a casca de um objeto físico, mas ela é menos importante. Com presente ou sem presente, esteja presente para quem você se importa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Cansaço

Filho, você por vezes se sentirá muito cansado. É preciso ter cuidado com essa sensação porque ela pode esconder problemas mais graves. É sobre isso que quero te alertar.


Se estiver cansado:
  • Tome um banho. Se não for possível, jogue água na nuca, troque as meias ou as vire do avesso. A sensação de frescor costuma enganar o cansaço e te dar uma sobrevida às vezes vital.
  • Se estiver dirigindo, pare onde estiver, no local mais seguro que conseguir. Durma 20 minutos. Lave o rosto ao acordar.
  • Adie decisões. Se não puder, gaste mais tempo para revê-las. Os detalhes ficam invisíveis frente ao olhar exausto.
  • Fale pouco e tenha uma dose extra de vigia com as palavras. Seu guardião social íntimo, chamado por Freud de "superego", costuma se cansar antes de você.
  • Se puder, tire alguns minutos e olhe o mar - pelo menos uma foto do mar.
  • Fique atento aos sinais do seu corpo. Taquicardia e desconcentração são tons emergenciais. Pare e durma. Não tente ir além.
  • Se o cansaço for constante, reduza suas atividades. Mesmo.
  • Se não houver causa racional, procure um médico. O metabolismo pode estar alterado por uma causa nervosa ou hormonal e é preciso reequilibrar-se.

Nosso organismo é nosso aliado. Não batalhe contra ele. O cansaço é um alerta para o descanso. Respeite seu corpo para que ele respeite você.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Pequenos delitos

Meu filho, na década de 1990, o então prefeito da cidade de Nova Iorque, nos EUA, implantou o que chamou de "tolerância zero" com os criminosos. Passou a punir com o rigor da lei as pequenas contravenções e a taxa de criminalidade (incluindo crimes graves) na cidade caiu drasticamente. Que relação existe entre esses "pequenos delitos" e os grandes crimes?


A transgressão à lei pode acontecer por diversos motivos. Alguns nobres, a maior parte não.

A desobediência civil é um ato consciente de desobediência a uma lei injusta que tem por finalidade pressionar por mudanças na situação social de um povo. Foi utilizada por Gandhi para libertar a Índia, de forma pacífica, da Inglaterra. Ela tem algumas características que a distinguem facilmente:
  • O benefício não é pessoal, mas coletivo.
  • Os motivos são claramente expostos, de forma transparente.
  • Há aceitação silenciosa das punições decorrentes do desvio.

Com seres mais primitivos, os delitos têm características opostas: benefício pessoal e fuga das consequências. O que se descobriu é que o mesmo malandro que hoje anda pelo acostamento, frauda o imposto de renda, bebe e dirige, tenta subornar ou se deixa subornar, é o que amanhã terá maior chance de desviar dinheiro público, de violentar ou até matar alguém.

Não significa que não haja apenas os espertinhos que querem se dar bem nas pequenas coisas mas não serão jamais bandidos grandes. Claro que existem. Mas o contrário, aparentemente, não é verdade. A maior parte dos bandidos começa "por baixo", cometendo pequenos atos infracionais. A ideia é que, combatendo na base, você inibe o malandro e corta as asas do futuro bandido. Funcionou.

O que isso tem a ver com você? Tudo. Todos nós trazemos pendores bons e maus. A infância é a época de valorizar os bons e corrigir os maus. E eles aparecem na forma sutil de coisas normalmente tidas como "normais" - os "pequenos delitos".

Como seu pai, eu estarei atento aos sinais, porque sei que é no brinquedo que a criança traz na mochila e que não é dela, é na mentira que ela conta sobre não ter tido aula, é no maltrato para com o coleguinha, que residem os gérmens  dos desvios de caráter que ela pode apresentar no futuro, quando será tarde demais para corrigi-los por completo.

Você também deve estar atento, meu filho, com seus amigos. Ser amigo não é rir de pequenos delitos - é avisar com carinho para ajudar, você também, a não proliferar uma sociedade corrupta, que tanto mal faz a nossa humanidade.

E se algum dia você surpreender seu pai em um ato, mesmo pequeno, errado, fale. Fale com amor, sem tom acusatório, mas mostre, não se cale. Seu pai também erra. Nos ajudando construiremos um mundo melhor.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Mágica

Meu filho, você certamente já terá visto shows de mágica em algum circo ou parque. Saiba que eles nos ensinam muitas coisas para a vida.


O ambiente místico, as roupas chamativas, as feições sérias são a preparação mais comum para esses espetáculos, antes mesmo que os truques comecem. Para que servem? Para quebrar a resistência cerebral que temos ao impossível, para relaxar as guardas lógicas de nossa mente e passarmos, por aquele momento único, a admitir com naturalidade o que é inimaginável. Com isso, a probabilidade de os presentes descobrirem o truque cai drasticamente.

Entra, então, o grande mágico! Fixa bastante o público com o olhar, fala coisas sem importância e gesticula bastante. Sua roupa também é muito chamativa. Para quê? Atrair a atenção do observador para o ponto que ele quer, desviando-a dos locais onde ocorrem as ilusões. Você entende aqui por que é tão difícil fazer mágica para crianças: elas não têm um modelo mental previsível, ou seja, fixam o olhar no que lhes convém e são menos influenciáveis no campo racional.

Na vida, filho, estarão tentando "fazer mágica" com você o tempo todo. As razões são as mais variadas, mas normalmente são escusas. Por isso, esteja atento:

  • Um "palco" chamativo demais normalmente esconde embaixo da mesa um truque.
  • Nunca deixe só o "mágico" conduzir o tempo todo. Refaça sua linha de raciocínio e comande um pouco as discussões para evitar ser distraído.
  • Discursos prontos, rápidos e encadeados são feitos para evitar questionamentos.
  • Não olhe para todos os gestos, não emita opinião sobre todas as discussões, não ria de todas as piadas. Não se permita criar empatia sem regulação. O silêncio é seu aliado.
  • Se estiver desconfiado de algo, faça algumas perguntas abertas e outras fechadas em sequência para evitar que seu modelo mental seja facilmente conhecido.
  • Se a dúvida persistir, não decida. Durma e decida no dia seguinte.
  • O fato de o impossível ser questionado de vez em quando não significa que você não deva abandonar seus parâmetros do que é razoável. Nunca. Acreditar em tudo é tão ruim quanto não acreditar em nada.

Não seja apenas mais um espectador da mágica alheia. A mágica verdadeira da vida quem deve fazer é você. E sempre para o bem.