À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


terça-feira, 26 de abril de 2016

Biografia - aniversário de 1 ano

Meu filho, por falta de coisa melhor, costumamos medir "tempo" pelo número de voltas que a nossa Terra dá em torno da Estrela que ela orbita, chamada Sol. Uma volta dessas é um "ano". Contamos nossas conquistas, fazemos nossos planos, avaliamos nossa situação atual toda com base nessa contagem e hoje você fecha seu primeiro ciclo e nós precisamos conversar.


(foto El Grego)

Desta linda fase de seu primeiro ano de vida, você só guardará lembranças emocionais, mas elas serão tão fortes que guiarão, como uma mão invisível, boa parte de seu comportamento durante toda a vida. É um período formidável porque as travas sociais ainda não agem sobre a personalidade, tornando sua alma mais transparente, embora ainda pouco consciente.

Mais do que isso, os estudos mostram que, no ocaso do 9º setênio, portanto após os 63 anos de idade, você verá comportamentos e tendências desse início de vida revisitando você (já ouviu o ditado: "o velho vira criança"?). Mas como identificá-los se sua memória não registra?

É aí que entra o meu presente, um tesouro que vou deixar para você: eu vou te contar como você é neste primeiro ano para que você possa ter uma referência de análise para sua vida e, quem sabe, para sua velhice. Se todos os pais soubessem a importância que essa descrição traz para a vida dos filhos, fariam isso sempre.

Para facilitar, vou dividir nas 3 dimensões do ser: Pensar (racional), Sentir (emocional) e Querer (ação).

Pensar:
  • Você é curioso. Tudo o que você não conhece te interessa. É capaz de deixar brinquedos super atraentes para descobrir um dispositivo novo.
  • Você é muitíssimo atento, estudioso, focado. É capaz de gastar minutos inteiros (que são como horas para os adultos) estudando um objeto ou o funcionamento de um dispositivo.
  • Você faz ligações cognitivas entre ideias facilmente. Quando pega um controle remoto, aponta-o corretamente para o aparelho que quer ligar; quando liga um interruptor, olha não para ele, mas para a luz que quer acender.
  • Você é prudente. A primeira colherada de comida você só prova, sente o sabor, para aprovar. Só depois come o resto. Quando tem que encostar em algo novo, encosta com a ponta dos dedos e olha para seus pais registrando qualquer desaprovação.
  • Você tem boa visão espacial. Tem facilidade de identificar formas e encaixá-las nos locais corretos destinados a elas. Você tem preferência pela forma circular.

Sentir:
  • Você é muito amoroso. Você nos surpreende a todo instante com demonstrações inesperadas de carinho. Você prefere abraço a beijo.
  • Você é generoso. Você compartilha o que é seu com muita facilidade e se sente feliz quando a outra pessoa (ou bebê) aceita algo que você oferece.
  • Você é pacífico, mas estrategista. Quando alguma outra criança pega algum brinquedo da sua mão, você não resiste, mas logo pega de volta. Você não entra em contendas desnecessárias.
  • Você não tem bom humor quando riem de você. Isso realmente te incomoda. Você percebe quando estão caçoando de você, mesmo de brincadeira, fecha a cara e reage.
  • Você é genioso. Contrariar você é difícil, mas mais difícil do que isso é deixarmos com que cresça assim.
  • Você é apegado à sua mãe. Foram quase 2 meses de luta diária para começar a aceitar comida além do leite materno só porque imaginou que a comida concorreria com seu elo com sua mãe.

Querer:
  • Você é bastante sociável. Isso chama muito a atenção das pessoas, porque você sorri e reage com muita simpatia às boas provocações.
  • Você brinca bem sozinho e dorme bem sozinho. Embora você curta muito se socializar, a solidão aparentemente não te incomoda.
  • Você aprendeu a andar dias antes de seu aniversário. Sozinho. Um dia largou a mão de seu pai e de sua mãe e saiu andando, rápido e seguro.
  • Você é um bom ouvinte. É capaz de ficar ouvindo seu pai por muito tempo, atento.
  • Você tem boa expressão corporal. Faz-se entender por gestos muito precisos, como dar tchau na hora que acha que alguém tem que ir embora (sem ninguém pedir).
  • Você tem iniciativa. Faz coisas sem que ninguém peça ou incentive. Mas só o que te interessa.
  • Você é ousado. Você não tem medo de explorar novas fronteiras. Passa por cima de brinquedos quando quer caminhar, ou fica em pé sozinho, mesmo sabendo que pode cair.
  • Você é organizado. Começou a guardar os próprios brinquedos sozinho e a arrumá-los criteriosamente no lugar sem que ninguém tenha pedido.
  • Você não lida bem com o fracasso. Sua persistência vai até o momento em que percebe que não vai conseguir e, então, muda o foco como que para esquecer o episódio.

O autoconhecimento, filho, é a chave do desenvolvimento. Com ele - e esse compêndio feito por seu pai é nesse sentido -, a contagem do tempo em anos passa a ser secundária: você começará a contar seu progresso em termos do que ainda quer realizar no crescimento íntimo. Neste ponto, você estará liberto da escravidão da Estrela e será mais dono de si.

Mas, por hora, feliz aniversário, meu amor. O Sol e seu pai sorriem para você hoje como sorriram há um ano atrás.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Bancos


"Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas
para as nossas liberdades do que exércitos permanentes.

Se o povo americano algum dia permitir que bancos
controlem a emissão de moeda, primeiro por inflação,
depois por deflação, esses bancos - e as corporações
 que inevitavelmente crescerão ao redor deles - irão despojar
 as pessoas de todas as suas propriedades até o ponto
em que seus filhos estarão completamente desabrigados."
(Thomas Jefferson, ex-presidente dos EUA, 1802)


Meu filho, da mesma forma que falei para você que nem todos os trabalhos são iguais em utilidade, também há grande diferença entre o grau de nobreza das instituições. Tome cuidado com os bancos: sua tendência natural é a da burocracia especulativa estéril com profunda destruição social.


No início, as trocas comerciais eram diretas, o chamado escambo - por exemplo: um plantava arroz e o outro criava porcos, quando precisavam, trocavam arroz por porcos.

Depois, estabeleceu-se a existência de moedas, cunhadas em metais preciosos (como prata, ouro e bronze), para servirem de intermediárias e, então, facilitar essa troca. Todo mundo reconhecia o valor dessas moedas porque era o valor do peso do próprio metal ("valor intrínseco").

No século XIII, a Ordem dos Cavaleiros Templários instituiu o primeiro sistema de papel-moeda internacional: para evitar que as pessoas transitassem até a Palestina com carga valiosa, com chance de serem roubadas, qualquer mosteiro templário fazia um depósito, dava um papel-moeda e a pessoa podia recuperar seu ouro ou prata em outro mosteiro.

De uma forma ou de outra, até o início do século XX, o mundo adotava papeis-moeda lastreados em bens de reconhecido valor, em especial de 1870 a 1930, utilizou-se mais vastamente o "padrão-ouro". Cada país tinha uma reserva em ouro que cobria o valor de face das moedas que emitia (em tese, qualquer pessoa poderia chegar no banco e dizer: "aqui está meu papel-moeda, quero o ouro equivalente a ele").

Em 1930, os EUA criam o Banco Central porque não havia mais ouro disponível no mundo e eles queriam aumentar a oferta de crédito sem correspondente físico de valor equivalente. A partir desse momento, o valor de face dos papeis-moeda passou a ser inacreditavelmente superior ao das reservas reais. Não havia mais lastro, tudo passou a ser baseado em confiança pura e simples. Com isso, como mágica, tornou-se possível "criar" valor (falso) e bolhas baseadas em lucro fácil.

Os bancos são os agentes centrais dessa farsa econômica que privilegia hoje a especulação e a inutilidade em detrimento do trabalho, da produção, da realização:
  • Como os preços dos bens também não são mais referenciados na realidade, você precisa de crédito para comprar mesmo o necessário e quem o fornece, com taxas abusivas de juros, são os bancos.
  • Os governos são obrigados pelo mercado, controlado pelos bancos através de grandes conglomerados, a emitir títulos da dívida pública para ter papel-moeda e pagar altos juros por eles. O dinheiro que cobre os juros é o dos impostos, ou seja, do trabalho. Na realidade, os impostos são, então, o financiamento compulsório que a população faz aos bancos e o governo é apenas o intermediário.
  • Os bancos financiam os políticos, que elaboram/votam políticas públicas de alto imposto / altos juros, que faz com que o dinheiro do trabalho seja direcionado de volta aos bancos e garantem a continuidade de todo o processo.

Você me perguntará: como, então, fugir dos tentáculos desses parasitas? Dificilmente será possível uma independência completa de sua complexa cadeia de controle, porque eles estão infiltrados em todos os níveis, mas posso sugerir:
  • Jamais, jamais, nunca confie em um banco. Se for firmar algum contrato com eles, leia tudo o que está escrito, questione, não assine em caso de dúvidas.
  • Por mais que o mercado especulativo de capitais seduza com ganhos fáceis, nunca esqueça de que ali o que você negocia é etéreo e estéril. Você não está proibido de investir seu dinheiro dentro das regras vigentes da economia, mas não esqueça de dar a ele, sempre que possível, uma realização palpável, em especial gerando empregos ou oportunidades. Seu investimento, em nível pessoal, também precisa ter lastro.
  • Não contraia dívidas. Elas são o ar que o banco respira.
  • Eleja políticos que tenham claro compromisso de redução da dívida pública e dos juros e que não revertam o dinheiro em consumo, mas em infraestrutura e qualidade de vida.
  • Recorra à Justiça imediatamente frente a uma cobrança com juros extorsivos.
  • Valorize o pequeno produtor, o microcrédito com cooperativas e o consumo local.
  • Evite o desperdício. É no consumismo desenfreado que está a joia dos bancos.
  • Estimule a economia colaborativa no mundo real e no mundo virtual, com trocas diretas e cadeias de consumo justas ("fair trade").
  • Não perca de vista o impacto socioambiental de toda atitude que tenha. A falta desse referencial dá a ilusão de que o crescimento a qualquer custo é possível e viável - e não é.

Thomas Jefferson foi absolutamente cirúrgico na sua fala. O que ele previa aconteceu. É hora de ir retirando dos bancos o poder de sequestrar e acabar com o mundo, como têm feito, tanto no campo ideológico quanto no prático. É também trabalho seu.

Por fim, valorize o trabalho e não o dinheiro. As duas coisas, por força dos bancos, não andam mais juntas. Una-as em suas ações.

domingo, 10 de abril de 2016

Querer fazer e Fazer ou A Montanha Sagrada

"Deves ter ouvido falar da Montanha Sagrada.
É a montanha mais alta do mundo.
Se lhe atingires o cume, terás apenas um desejo:
descer e estar com os que moram no vale mais profundo.
Por isso é que é chamada a Montanha Sagrada.

(Gibran Khalil Gibran em "As últimas horas de Gibran")


Filho, quando queremos muito fazer alguma coisa, criamos em nosso pensamento a cena da realização. Essa imaginação, que serve como planejamento ou simulação, por vezes nos traz um pouco da sensação de realizar. Cuidado! Este é o ponto em que você terá realmente que decidir.

Os franceses têm um adjetivo, normalmente usado de forma pejorativa, para quem concebe, planeja e nunca executa: théoricien ("teórico"). É claro que uma fonte de boas ideias é útil em vários momentos - e algumas vezes se paga muito bem por ela -, mas quem não conclui seus próprios projetos é como um médico que estudou tudo sobre o corpo humano, mas jamais atendeu a um doente.

Uma realização nasce com uma vontade, ou, como dizem alguns, um "chamado". Esse sino interno que soa, às vezes muito insistentemente, parece nos indicar - às vezes empurrar - para um caminho de autorrealização ou autodesenvolvimento.

Da vontade pulsante nasce o sonho, que é a vivência emocional dessa vontade, já com um objeto, mesmo genérico, presente. Em nossos momentos de silêncio, somos então arrebatados pela emoção e nos vemos vivendo esse sonho, como forma de dar vazão a necessidade da vontade. Atenção: muitos param aqui, filho. Numa atitude egoísta, enclausuram-se nesse mundo fictício e passam a viver dele, satisfazendo-se de sua própria imaginação, sem problemas, imperfeições ou decepções.

A realização apenas no mundo dos sonhos, no entanto, é uma plenitude vazia, que divide e aliena o ser. Deixe que a vontade te empurre para a realização que acompanha o sonho. Incomode-se em não transformar sua força produtora em algo palpável e útil. E se a vida amanhã se retirar de você, o que você terá deixado? Um nada disfarçado de sonho que só serviu para o seu deleite? Ou um símbolo de trabalho que poderá se tornar inspiração e luz para os que querem seguir seus passos? A marca que você irá deixar para o mundo, meu filho, é daquilo que você fizer, não do que quis fazer.

Dê aos seus sonhos a honra de se materializarem através do suor de suas mãos. Ou, de outra forma dizendo, volte e desça a Montanha Sagrada.

sábado, 9 de abril de 2016

Oportunidades

Filho, há um provérbio chinês que diz: "Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida". Mas será que isso significa que você deve agarrar sempre todas as chances que aparecerem? O que é uma oportunidade e o que não é? O que é apenas distração? O que precisa de sua atenção de fato?


Começo apresentando a você o conceito de custo da oportunidade: sempre que se escolhe um caminho A, se deixa de escolher o B. E isso tem um custo: o custo de não ter escolhido o B. Por exemplo: você decide estudar determinado assunto que te interessa, fazendo uma especialização em uma boa instituição que está com condições favoráveis naquele instante. Com isso, você deixará de descansar do trabalho, possivelmente perderá chances de encontrar com amigos, diminuirá seu tempo com a família. É uma oportunidade, mas tem um custo. A pergunta é: você está consciente desse custo? O pior dos mundos é se você não enxerga o custo da oportunidade: aí você está cego. Saber o que se perde quando se opta por um caminho é essencial para ter firmeza na decisão.

Além desse primeiro conselho, deixo outras reflexões a você sobre o assunto:
  • A não-escolha também é uma escolha e, por isso mesmo, tem um custo. Adiar a solução de um problema só é um bom caminho se te trouxer elementos novos (reflexão, discussão, conjuntura diferente, etc.). Isso é sabedoria. Apenas fingir que algo não existe normalmente não é conveniente. Isso é covardia.
  • O tamanho da oportunidade deve ser o mesmo da sua precaução. Desconfie de grandes sortes que batam à sua porta disfarçadas de oportunidades. Normalmente elas não resistem a um exame aprofundado. Adie seu julgamento, se puder.
  • Olhe seu coração, ouça sua intuição, mas não siga se sua cabeça não aprovar. Você é um ser complexo e suas conclusões às vezes extrapolam o racional. Por isso, seja aberto e sincero com seus sentimentos e não despreze seus sonhos, suas vozes interiores, seus insights. Mas sua razão deve ter o poder de veto, caso ela sinalize de forma claramente negativa.
  • Planeje-se. As oportunidades só se tornam reais (e às vezes só aparecem ou são vistas) para quem está preparado. Projete sua vida em termos de seus anseios de curto, médio e longo prazos, nos campos que forem importantes (familiar, profissional, pessoal, intelectual, emocional, espiritual, etc.).
  • Prospecte oportunidades. Não espere que as oportunidades batam à sua porta, de forma clara e límpida. Pelo contrário, normalmente elas se escondem nas sutilezas do dia-a-dia, exatamente para fugir dos aventureiros. Não seja obcecado nem neurótico querendo ver em tudo chances que não podem ser perdidas. Não. Mas tenha olhos de ver, com calma e sensibilidade, aquelas que dançam timidamente aos seus olhos.
  • Analise risco e recompensa. Toda oportunidade apresenta riscos e recompensas. Mapeie os dois. Projete um cenário otimista e um pessimista e veja se, mesmo assim, é algo que você aceita abraçar. Normalmente as maiores recompensas estão junto com os grandes riscos.
  • Se você tentou, não se culpe pelos erros. O tempo que você usa se culpando é o tempo que a outra oportunidade, às vezes melhor, passa por você, que está com os olhos cheios de lágrimas. Para cada acerto, você terá dezenas de erros. Nada há de errado nisso. Prossiga com honestidade e cabeça erguida - quem sai com humildade de um erro entra com altivez num acerto.

Por fim, meu filho, entenda que a oportunidade nunca pode passar por cima de seus valores, de seus princípios. Ela não pode humilhar, diminuir, trapacear. Caso alguém te ofereça alguma vantagem cujo custo seja sua "alma", tenha a dignidade de não aceitar. Isso não é uma oportunidade: é uma armadilha.