À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

Prestar atenção às pessoas

Filho, você provavelmente já terá ouvido reclamações de que não presta atenção em alguém (quase todo mundo quer mais atenção). É normal. Possivelmente essas pessoas que te disseram isso acham que você não dá valor a elas ou ao que elas dizem. Pode até ser verdade, mas pode ter outra causa.


Vamos imaginar um conjunto de pessoas de quem você gosta, a quem você dedicaria tempo para ouvir as ideias porque as respeita. Neste grupo, você ouvirá mais umas do que outras, sem que você tenha culpa alguma nisso. Sabe por quê?

Porque sua atenção tem o mesmo valor para quem fala pouco e quem fala muito. Se você dedica um mesmo tanto de atenção para quem diz apenas 1 palavra, é como um raio laser, focado, poderoso, transformador, você meditará fortemente naquela palavra e se lembrará dela com muita facilidade, talvez pelo resto da sua vida. Esse mesmo tanto você dedica para quem te diz 100 palavras. Obviamente, cada palavra terá apenas 1% da atenção da da primeira pessoa, e você poderá esquecê-las com muito mais facilidade.

Não seja grosseiro com quem é prolixo, tagarela ou mesmo carente demais. Uma boa técnica é repetir para ela, no final da looonga fala, em que ela contou - outra vez - a história de toda a vida dela, os pontos relevantes que precisam da sua ação. "Entendi, meu amigo, você gostaria que eu levasse esse pacote para você, é isso?" - vai ajudar você a se lembrar do que é importante, e a se esquecer do resto.

Quanto a você, quando tiver que passar uma mensagem a alguém que você quer que aquela pessoa lembre, seja rigorosamente objetivo, preciso. Não fale além do necessário. Normalmente a falha de comunicação está fortemente concentrada no transmissor. Melhore sua comunicação para que ela seja efetiva - antes de reclamar que alguém não te deu a devida atenção.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Churrasco

Meu filho, estávamos nos últimos dias na casa de sua dinda e lá preparamos dois churrascos.


E o que isso tem a ver com um texto para você? Em tudo na vida, filho, há sabedoria oculta. Das maiores teses filosóficas às situações mais ordinárias, tudo é recheado de ensinamentos. Extraí-los é um exercício de atenção, visão e paciência, Por isso, vi naquela grelha um bom lugar para assar, além de carnes, alguns bons pensamentos que podem ser úteis para você.

  • Prepare a brasa. O fogo vem primeiro, queima rápido, mas estraga o churrasco. Gaste tempo fazendo pegar a brasa. Significa ... gaste tempo preparando o terreno na mente das pessoas com quem pretende compartilhar suas ideias. Elas não podem ser incendiadas pelo fogo inicial da pressa, que queima: precisam ser convencidas pelo trabalho lento para que se tornem brasas que se sustentem o objetivo por si, com seu calor próprio.
  • É normal que a brasa pegue apenas em uma parte da churrasqueira. Não se incomode. Significa ... cada pessoa tem o seu tempo de absorção e replicação de ideais. Saiba respeitar esse tempo. A surpresa que esse respeito traz é que as melhores brasas normalmente são as que deram mais trabalho para "pegar".
  • Tempere as carnes antes de colocá-las na brasa. Não adianta ter uma carne cozida mas insossa. Significa ... reflita se as primeiras ideias que você tiver, mesmo que pareçam brilhantes, merecem um "tempero" certo (suficiente, jamais exagerado) antes de serem expostas à ação do calor. Não perca trabalho.
  • Posicione as carnes mais gordurosas (linguiça, por exemplo) no local com menos brasa. Ajuda a assá-las mais lentamente, diluir a gordura e, ao mesmo tempo, a gordura fará com que a brasa pegue melhor naquele local. Significa ... saiba posicionar seus pensamentos, suas ideias, seus ideais, onde possam frutificar mais. Nem todos podem compreendê-los e regá-los da mesma forma. Não menospreze os locais com pouca brasa: às vezes são terra fértil.
  • Carnes diferentes pedem tempo de exposição diferentes. Significa ... use suas ideias e palavras de acordo com a capacidade de os recipientes interagirem com elas. Não adianta nada ser erudito com o simples nem simplista com o sábio.
  • Ajuste a distância entre a carne e a brasa. Significa ... saiba regular a tolerância que suas ideias têm ao calor de uma comunidade que irá recebê-las para que elas não queimem nem esfriem. Normalmente esse é um serviço contínuo e a grande armadilha é esquecer de fazer sempre essa regulagem.

A propósito: o churrasco estava ótimo! Você também gostou muito dos pedacinhos de carne que te oferecemos. Espero também que goste desses desdobramentos que listei aqui.

P.S.: Caso no tempo em que leia isso, você considere ambiental ou socialmente inaceitável o consumo de carne animal, fique com as metáforas, esqueça os exemplos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O número 3 e as trindades

Filho, pesquisas demonstraram que já na pré-história, em 2.500 a.C., na China, usava-se como base para diversos artefatos o tripé em metal. O homem cedo descobriu que um suporte para ser robusto e até viável precisa possuir, no mínimo, três pontos de apoio. Este aí embaixo é um suporte de mesa medieval que é fabricado até os dias de hoje.


O número 3, ficou, por esse motivo, associado à ideia de suporte, equilíbrio, fundamento, de princípio. As principais religiões antigas estabeleceram, então, que o Universo, para ter base equilibrada, teria que ser regido por uma tríade, um "conselho de três deuses principais" (como os egípcios, os babilônicos, os gregos, os celtas e os persas), ou "três manifestações de um deus inacessível aos homens" (como os hindus, com Brahma, Shiva e Vishnu) ou, ainda, "três pessoas de um único deus" (como os católicos e protestantes, com Pai, Filho e Espírito Santo). Um estudo comparativo mostra que ninguém inventou nada - todas essas tradições derivam umas das outras, mas com a figura da trindade mantida.

O mais interessante, filho, é que, em todas elas, seus componentes cumprem um papel determinado (normalmente são os mesmos papeis). No caso da antiga Trimúrti hindu, Brahma é o Criador, Vishnu, o Preservador e Shiva, o Destruidor ou Transformador. Não por acaso, a trindade católica tem rigorosamente a mesma configuração. Isso porque, por trás dos dogmas religiosos e do misticismo há a vida prática: e nela, esses são os três impulsos do progresso: criação, preservação e destruição, independentemente de você acreditar ou não em alguma divindade ou trindade.

É na conjugação equilibrada da trindade funcional que reside o segredo da sobrevivência das coletividades e da realização pessoal. Procure identificar, conhecer e trabalhar essas forças dentro de você para que o seu motor de progresso interno funcione perfeitamente.
  • A criação é o que abre caminhos, o que inventa, o que inicia, o que cria, o que vê diferente, o que concebe. Quem tem essa força muito superior às outras é uma fonte constante de criatividade, de boas ideias, de iniciativas, mas sem "acabativas". Seus projetos normalmente são começados e abandonados para darem lugar a outros, mais novos, mas que também ficarão esquecidos.
  • A preservação é o garante a continuidade, a maturidade, a integração, a experiência. Se houver desequilíbrio e essa potência for muito maior do que as outras, está pavimentado o caminho do aprofundamento na busca da perfeição infinita, inalcançável, logo com estagnação e até burocracia.
  • A destruição é o que transforma: usa as energias daquilo que já se encaminha para seu ocaso para dar novo corpo a novas realizações. Se, por um lado, exercita o desapego, seu excesso pode descaracterizar as atitudes, buscando a transformação constante fora do tempo certo, provocando nos projetos a morte prematura e, portanto, sem colheita.

Em tudo, filho, busque o equilíbrio. Não tenha medo de usar essas potencialidades "divinas" em você, mas lembre-se de equilibrá-las no tripé sobre o qual você se sustentará: criando, preservando e transformando, na medida e no tempo certos. Quais são? Infelizmente isso não posso te ensinar: dependerá de sua sensibilidade caso a caso. Bom trabalho!



sábado, 6 de fevereiro de 2016

Demônios

Meu filho, você certamente ouvirá, por diversos meios, falar dos demônios, seja no sentido figurado seja no literal. Mas o que, de fato, essa crença representa na tradição humana e nos dias atuais? Devemos levá-la a sério?


A palavra "demônio" origina-se do grego daimon, que, por incrível que pareça, não tem uma acepção negativa. Na origem, essa palavra era sinônimo de gênio, espírito, e era usada tanto para entidades sobre-humanas boas (eudaimon) quanto más (kakodaimon). A palavra "eudemonia", em português, por isso, significa sorte, felicidade, bem-estar. Sócrates, por exemplo, dizia conversar com o seu daimon, que, segundo ele, lhe aconselhava.

Muito diferente é a figura judaica e, portanto, cristã do demônio, chamada Satanás, derivada do Zoroastrismo persa. Satanás é uma cópia (mal feita) de Ahriman (que aparece lutando com o rei persa na figura acima). Os livros judeus escritos antes da influência persa, que ocorreu por volta de 500 a.C., não citam nenhum opositor. Os atos de vingança eram atribuídos ao próprio Deus, que agia, assim, como um justiceiro, para o bem ou para o mal (ficava chateado, irado, se vingava, etc). Ao contrário do Judaísmo (e do Cristianismo), o Zoroastrismo era uma doutrina com foco no autodesenvolvimento, e não feita para guiar ideologicamente um povo através do misticismo, por isso a ação de Ahriman era pessoal. A penetração da ideia de um demônio próximo ao ser humano também permitiu, mais tarde, a ideologia de um Deus igualmente próximo, com a doutrina cristã.

Ahriman tinha uma ação diferente de seu derivado judeu Lúcifer: ele conduzia o homem ao imobilismo, ao desinteresse, à estagnação - tanto que normalmente é representado em cor azul (a do gelo), ao contrário de Lúcifer, representado em cor vermelha (do fogo). Lúcifer, ou Satanás, como "opositor" de Deus, trabalha seduzindo a alma humana, instigando-a a ter sim uma postura ativa, mas no mal: exacerba-lhe o orgulho, a vaidade, a prepotência. Pode-se dizer que, ideologicamente, Lúcifer e Ahriman são mais inimigos entre si do que qualquer um deles com o ser humano - ou, como dizem outros, trabalham complementarmente, ora imobilizando ora fazendo se perder.

Filho, algumas pessoas tomarão essas figuras por reais. Na verdade, isso é pouco importante. Não rejeite o aprendizado antigo apenas por ele ser metafórico. Os demônios, pelo menos os dois que citei a você (Ahriman e Lúcifer) têm muito a ensinar sobre o comportamento humano, mostrando que a estrada que conduz à realização está igualmente longe de ambos: nem no congelamento estagnante do gelo ahrimânico nem no fogo deslumbrante e irresponsável de Lúcifer. Procure a ação persistente e equilibrada no bem e você estará expurgando seus demônios.