À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


sábado, 30 de dezembro de 2017

Panteões

Meu filho, não é de hoje que a Ciência Psicológica, notadamente a Psicologia Analítica criada por Carl Gustav Jung (1920), tenta categorizar os seres humanos em Tipos Psicológicos. Mas engana-se quem acha que essa é uma busca nova na História - ao contrário: é multimilenar. Como? Pelas divindades das tradições míticas ou filosóficas - como queira.


Abstração feita da crença religiosa em si, cada deus ou santo pode ser diretamente associado a um arquétipo, um temperamento, um tipo de personalidade. Os filhos ou os protegidos dessas entidades são os que têm sua essência em sintonia com suas atribuições, qualidades e armadilhas. Os conjuntos de deuses são, em realidade, representações da diversidade do próprio gênero humano.

Prova disso é a incrível semelhança que existe entre os diversos panteões das diversas civilizações, quase todas sem contato umas com as outras, indicando sua estreita ligação com as potências humanas e também sua transcendência. Nesse sentido, eles realmente são "deuses": são guias para o autoconhecimento de nossos vícios e virtudes e na atenção na relação com nossos semelhantes. As histórias das mitologias são, em verdade, epopeias das próprias lutas internas dos sentimentos e pensamentos em direção ao progresso.

Para exemplificar - e não por acaso - vou lhe falar sobre uma dessas forças: "Hera" na mitologia grega, "Juno" na romana, "Ísis" na egípcia, "Frigga" na nórdica, "Jaci" na tupi, "Nossa Senhora" no cristianismo ou "Oxum" no candomblé. Representa ela a beleza e a fecundidade. Seus "filhos" demonstram determinação, diplomacia, equilíbrio, discrição, espiritualidade e vontade de proteção dos mais fracos. Mas também tendência ao materialismo, à superficialidade, ao narcisismo, à vaidade e à preguiça. A "mãe lua", como é conhecida na tradição Tupi, é, assim, um eixo de desenvolvimento sobre o qual aqueles que se afinizam com sua figura têm aí um caminho de autoconhecimento e de busca da felicidade.

Não importa se você encara esses entes como seres reais ou não, divindades ou não, aí está uma chave para explorar milhares de anos de História e aplicá-los ao conhecimento do próprio mundo das personalidades. Estudar os panteões é estudar-se como produto de séculos do próprio homem.

Ora, iê, iê, ô!

domingo, 24 de dezembro de 2017

Morte

Meu filho, certa vez os cientistas cogitaram que elefantes pudessem ser capazes de ter noção da própria finitude pelo fato de encontrarem em alguns locais 'cemitérios' deles. Era engano, apenas um efeito migratório para locais de comida mais fácil, que estendiam a vida dos mais velhos por algum tempo. Continuamos, assim, até hoje, sendo a única espécie que se sabe ter consciência do próprio nascimento e da própria morte. Sendo assim, a pergunta imediata é: o que existe além?


Alguns acreditam que a morte é um fenômeno puramente orgânico, como uma doença, que será vencido pela Ciência algum dia e que, portanto, após findados os impulsos neuroniais, aquele pensamento, aquele coração, aquelas experiências, desaparecem com os compostos químicos em decomposição.

De outro lado, há muitas teorias não-materialistas para explicar esse momento extremo da vida humana. Em comum, elas apresentam a ideia da transcendência: o ser humano seria algo capaz de sobreviver a essa passagem e seu futuro teria relação com o quanto angariou de conquistas para essa alma durante a vida. Ainda como linha mestra entre elas, a possibilidade de, ainda durante a existência orgânica, alçar voos curtos a esse mundo suprafísico sempre por algum tipo de recolhimento, meditação, introspecção ou oração.

Há uma coisa inexorável: você terá vários encontros com a morte - os primeiros com os que você convive e ama e o último pessoalmente. E eles o farão lembrar dela com alguma frequência.

Não desejo influenciar de forma determinista na sua visão da morte e, portanto, da vida. Mas recomendo que você:
  • Não compre ideias prontas - desenvolva as suas próprias;
  • Considere que a resposta que você busca pode estar espalhada em pedaços: no pensamento científico, na sua sensibilidade, na observação da Natureza, nas pessoas, na meditação, etc.;

Você pode ser um cientista que irá ajudar a combater a degradação física; você pode ser um pensador que irá ajudar a compreender a morte; você pode ser um apoiador que irá ajudar a suportá-la. Faça o que fizer, faça com sinceridade, com humildade e com amor.

Vencer a morte pode ser mais do que tudo isso: pode ser apenas parar de temê-la.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lealdade

Meu filho, é preciso que eu te fale da lealdade, que é a honra aos princípios éticos posta em prática. O mundo é profundamente desleal. Não se iluda: você deve satisfação à sua consciência, por isso não condicione sua lealdade à dos outros. Ela é o travesseiro da sua alma. Cuide bem dele.


Cuidado! Nem sempre é fácil detectar o desleal, mas os principais sintomas são:
  • Não pode haver lealdade onde há desonestidade. Aí o que existe é apenas interesse.
  • Não há lealdade seletiva. Se alguém é desleal com o outro, ele fatalmente será com você.

Uma vez detectada a deslealdade em alguém, eu recomendo que você se afaste dessa pessoa. Ele (ou ela) tem armas de que sua honra não permite que você lance mão e como trata-se de uma falha de caráter radical, é muitíssimo pouco provável que ele (ou ela) venha a mudar. Se você não conseguir seguir o conselho de seu pai, pelo menos não se deixe ferir pela decepção.

Mas a deslealdade dos outros é um problema deles consigo mesmos. É uma nuvem de negatividade que atraíram para si e com que terão que lidar. E você terá pouco poder de influência. Acredite.

Quanto a você, meu amor, tenha atenção para também não ser desleal. Desculpe não haver outra forma de dizer isso, mas não seja babaca e nem canalha. Essas energias corroerão sua alma e te tornarão dependente delas - não é ao 'diabo', um ente externo, que se 'vende a alma', é a seu próprio lado sombrio. Seja seu guardião contra você mesmo. Lembre-se sempre que o bastião da verdade não precisa de outro defensor senão ele próprio. Seu exemplo fala por si só. Aja com valores firmes e seu caminho poderá ser difícil, mas estará sempre aberto. Duas coisas você sempre deve buscar fazer:
  • Fale direto e em particular com as pessoas o que quer falar. Olhe em seus olhos.
  • Dê sempre chance de defesa. E saiba que podem existir outras verdades além da sua.

E outras jamais:
  • Não 'desabafe' como se isso fosse um salvo conduto para falar o que quiser. Chame como você quiser chamar, 'desabafo' ou não, você continua responsável pelo que diz.
  • Não difame. Seja responsável. A palavra dita não pode mais ser retirada.
  • Não mande recadinhos. Você não tem mais 10 anos de idade.
  • Não fale pelas costas. Seja ético.
  • Não traia a confiança - mesmo, na pior das hipóteses, de quem você pensa que traiu a sua.

E não se sinta um bobo, um 'otário', por ser assim. Quando você é sério, honrado, probo, as pessoas sérias o reconhecerão e o sustentarão. Quando é desleal, atrairá para si outras tanto quanto, como um câncer a se multiplicar e te sufocar, e as pessoas sérias se afastarão e sentirão pena de você.

Seja leal, meu filho, consigo mesmo e, consequentemente, com o mundo. Assuma esse compromisso diariamente com seu 'eu'. O fardo da deslealdade não te permitirá entrar no caminho da felicidade. Não há futuro na deslealdade.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

'Você está bem, papai?'

Quarta-feira, 6 de dezembro. Algumas situações desnecessárias me trazem certa tristeza, cansaço, decepção. Mas é dia de ficar contigo, dia de alegria, de nossa cumplicidade, de nossa construção.

Madrugada de 6 para 7 de dezembro. 3 horas da manhã. Você me acorda, sobe na minha cama, deita do meu lado, me abraça e, quase como se fosse uma desculpa para estar ali, me pede para te contar uma história. E lá se vão 3 histórias até que, exausto, você volta a adormecer.

Quinta-feira, 7 de dezembro. Você acorda feliz, brincamos, nos arrumamos e vamos para a creche de carro. Você me pede para "dirigir", mas, ao contrário do normal, me pede ajuda a toda hora, como para me manter ao alcance.

Desço do carro contigo, o pátio da escolinha já está cheio de amigos. Já havíamos nos despedido - abraço, beijo e "nhem nhem nhem". Você, sempre alegre, se desgarra da minha mão e vai brincar.

Cumprimento as professoras e auxiliares. Me viro para ir embora. "Papai!". Volto. Me ajoelho. "Oi, meu filho. O que foi?". Sou invadido pelo olhar mais profundo que já vi. Penetra meus olhos, vaza meu cérebro, acelera meu coração e flecha de vida minha alma. O relógio para. Até as asas dos menores insetos congelam no ar.

Suas duas mãos pousam carinhosamente sobre minhas bochechas. Num flash, fico na dúvida se miro meu filho ou meu pai. Foram os 3 segundos mais longos da minha vida. Você também está todo ali - os chamados dos colegas pelo seu nome não existem. O mundo desapareceu.

Como se você procurasse algo nesse Universo interno do qual você tem todas as chaves, você mergulha em mim, acendendo luzes nos vales, criando oásis nos desertos. Ao fim, como se o trabalho tivesse terminado, me pergunta: "Você está bem, papai?".

Você não vai embora. Fica. Fica me hipnotizando, me afogando de amor, esperando uma resposta. "Estou bem, filho". Você sorri e vai procurar o escorrega que ficou esquecido.

Você foi embora tão rápido... Não deu tempo de dizer: estou bem por você, graças a você.

Você foi embora tão rápido... Não deu tempo de dizer: muito obrigado!

OBS: desculpe não ter figura neste texto. Procurei uma imagem da alma, mas acho que não existe...

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Rede de proteção

Filhote, ser honesto num ecossistema indecente, ser ético num ambiente desonrado, ser justo num meio egocêntrico, ser legal num universo fraudulento pode ser fonte de bastante sofrimento, já que você não se permite usar as ferramentas e subterfúgios imorais de que seus opositores lançam mão sem qualquer cerimônia. Pode parecer, por isso, à primeira vista, que você estará travando guerras sempre desiguais. Calma! Há formas de proteção legítimas que não o obrigarão a abandonar seus princípios e valores. Aqui te apresento uma.


Eu estava quieto num ambiente de que gosto muito certa vez, após algumas dificuldades sérias dessa natureza, quando um amigo me chamou e disse: "Você fez e tem muitos amigos, use-os!". Aí está. Você tem uma rede de proteção mental formada por pessoas que te amam, te respeitam e acreditam em você, cuja liga é a sintonia nos elevados objetivos comuns.

Mas quem são os componentes dessa redoma invisível e poderosa? Você os reconhecerá por 3 características, pelas quais também se define a verdadeira amizade:

  • Honestidade: ao contrário daqueles que só querem reforçar seus pontos de vista, os protetores te falam a verdade. Mesmo que ela não seja aderente à sua expectativa.
  • Paz: imaginá-los junto a você te dá uma sensação de paz porque você não precisa ser com eles nem mais nem menos do que você próprio.
  • Presença: eles te buscarão, te encontrarão, mesmo longe, estarão presentes no teu coração, sempre dizendo o que meu amigo falou - 'use-nos'.

Não que a rede dependa disso, mas você sentirá naturalmente vontade de cultivá-la, fazendo sua parte, gastando tempo para saber como estão seus amigos, aguçando sua sensibilidade para perceber suas necessidades. Ajudar na rede do próximo também fortalece a sua. Mas cuidado: a correria do mundo moderno tenderá a afastá-lo dessa providência - não permita que isso aconteça.

O mal progride, grita, calunia e tem audiência muito pela desunião dos bons. Você fez e tem muitos amigos, use-os! Você tem uma rede de proteção, formada por almas, corações e mãos unidos contigo lado a lado. Ela é sua arma contra as iniquidades. Use-a com sabedoria, mas use-a!

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Escolha certo!

Meu filho, é certo que você terá que tomar decisões difíceis. Algumas parecerão impossíveis. O mais inquietante é que normalmente não há caminho da fuga: a não-escolha também é uma escolha. Diante disso, o que fazer?


O julgamento é sempre solitário no sentido de que você terá que lidar com as consequências dele sempre sozinho. Ele não admite desculpas nem terceirizações. Você pode buscar apoio, pesquisar, se embasar, estabelecer critérios, analisar desdobramentos, extrapolar cenários. Tudo isso ajuda. Mas o momento do juízo entre alternativas é só seu - da sua consciência. É sua responsabilidade. O primeiro passo, portanto, é admitir isso a você mesmo. Esteja presente. Todo. Razão e sentimento. Por isso, não decida nada imaginando o que os outros vão pensar - eles não dividirão a carga contigo. Nem que queiram. Você deve fazer o que pensa ser certo. E ponto.

Decidir significa seguir um caminho e não outro. E toda estrada não percorrida cobra seu preço. Não se incomode com isso. Pague-o apenas na medida do justo e não se culpe. E não se arrependa do chão não caminhado. Se você escolheu com embasamento, com honestidade, com atenção e buscando o bem, você escolheu certo, mesmo que tenha errado.

O segredo de escolher na hora certa é estabelecer limites. Limites de tempo, de desvios, de tentativas. Atingidos esses marcos, é hora de agir, de optar, sem vacilos.

  • Compelido a ser fiel ou ser ético, seja ético. Não compactue com erros por gratidão nem por amizade. Você deve tentar alertar, falar, sugerir, abrir os olhos para que você não seja obrigado a optar por um. Mas se essa hora chegar, não duvide: siga a verdade.
  • Se tiver que escolher entre ser disciplinado e ser bom, seja bom. A disciplina é uma ferramenta importante, mas é a bondade que o torna humano. Cuidado: ser bom não significa ser permissivo ou inativo, apenas ter misericórdia ("coração para com a miséria") na forma.
  • Não aceite terceirizações de problemas alheios nem culpa por eles. As pessoas fazem suas escolhas e, às vezes, com isso, te deixam sem elas. Cada um responde por seus atos. É típica de seres atrasados a tentativa incessante de transferir suas responsabilidades. Não as compre.
  • Não seja parcial. Coloque no altar da sua consciência nua e cruamente os objetos dentre os quais você terá que optar. Adie julgamentos. Não se cegue para defeitos ou qualidades por qualquer razão que seja. Não faça "engenharia reversa" para justificar a si próprio algo que quer fazer - a pior mentira é a dita a si mesmo.

As escolhas, meu filho amado, te farão crescer. As dores delas te farão amadurecer. Só com a experiência, a auto-honestidade, a tranquilidade de alma, você conseguirá tirar de uma vida de escolhas uma vida feliz.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Confiança

Meu filho, quando eu tinha dez anos, me lembro de estar atravessando uma rua em Nova Friburgo e ouvir um grito seco do seu avô Antonio: "Pare!". Meu corpo ficou estático antes de eu ter sequer consciência da ordem. Um carro passou a poucos centímetros. Um só vacilo e não estaria aqui te escrevendo - nem você existiria. Hoje você, meu amor, com menos de 3 anos, ao ver seu pai com os braços abertos, nem olha para baixo - pula feliz sem pestanejar. É o mesmo motivo que me salvou a vida sob a autoridade do seu vovô: confiança.


Neste primeiro setênio, sou para você a autoridade amada e a admiração e a dependência faz com que você me siga, sempre. Mas como converter essa doação mútua em amor eterno? Pela confiança. Tenho absoluta consciência de que, por enquanto, é minha a responsabilidade de não contaminar esse bem-querer iluminado com comportamentos que poderiam levá-lo a questionar nossa cumplicidade. Quando você for adolescente, você começará também a ter essa tarefa, comigo e com outros. Quando for adulto, isso será fundamental para uma vida feliz.

"Confiança" vem do latim com + fidere, que significa "com muita fé". Para que suas relações sejam construídas de forma sólida, indelével, não contaminada, cheias de fé mútua, é preciso cuidado. Nessa "sopa", três ingredientes são essenciais:
  • Respeito: ouça sem julgar, dê atenção, olhe nos olhos, valorize, gaste tempo, esteja inteiro, não grite, não xingue, não agrida. Fale a verdade, não crie expectativas falsas, nem a título de não ferir. Se seu interlocutor for uma criança, agache-se para falar com ela.
  • Exemplo: viva o que você prega, cumpra suas promessas, explique seus motivos, não abra exceções éticas.
  • Humildade: peça desculpas quando preciso, não seja impaciente, deixe-se ser tocado. Dê sua opinião sem exigir que seja considerada: você não é o centro do mundo.

Se algum dia, mesmo que você tenha cem anos, eu te disser: "Pare!", espero ser digno de ter de você a mesma confiança de hoje e que, antes de seu cérebro se dar conta do que fez, ele congele seu corpo (mas mantenha quente de amor seu coração por mim).