À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Uso

Meu filho, em geral, as coisas e, principalmente, as potencialidades são neutras - é o seu uso que determina sua natureza boa ou má.

  • Uma pedra pode construir uma casa ou matar uma pessoa
  • Uma faca pode descascar uma fruta ou ferir alguém
  • O fogo funde metais para construir cidades ou destrói essas cidades
  • A inteligência cria inovações para uma vida melhor ou humilha e subjuga
  • O carisma motiva e liberta ou hipnotiza e enlouquece

Todo mundo tem facilidades naturais. E os outros, principalmente quando bem treinados, sabem identificar essas forças. Esses são os líderes, que também podem ser bons ou maus. Cuidado para não ter seus dons manipulados por líderes interesseiros, para que não sirva de mão de obra para causas de que você discorda ou que não conhece.

Tenha como orientação geral: o gênero da ferramenta indica o tipo de trabalho. Se você entrega uma enxada na mão de alguém, está pedindo para que capine um solo; se entrega um fósforo, que acenda alguma coisa. Se você vê que tem à disposição internamente uma aptidão, ela, por si só, dá a dica de uma forma útil de uso.

O uso da energia é que torna uma tendência virtude ou vício. Os instrumentos estão nas suas mãos. Assuma para si a escolha e a faça com sabedoria.

domingo, 30 de agosto de 2015

Sentimentos

Meu filho, muitas pessoas não trabalham bem com seus sentimentos e os alheios. Uns os ignoram, outros os escondem, exacerbam ou mesmo se deixam dominar por eles.

Foto "Forms Of Feelings" do artista israelense Mark-Meir Paluksht, 2012.

O homem não é apenas sapiens sapiens (que "sabe que sabe"), é um conjunto muito mais amplo de potências, entre as quais a capacidade de ter sentimentos - e ter consciência de que os tem. É preciso, primeiro, portanto, respeitar e valorizar essa condição tipicamente humana. Um ser humano que decida ser apenas razão é um pássaro de uma só asa: anda bem, mas não voa.

O grande problema, filho, é que a emoção é uma força imensa, muito mal compreendida e muitas vezes, por isso, mal comportada. Ela te salva e te destrói de um segundo a outro se não for domesticada com a temperança. As pessoas têm dificuldade de lidar com o que não conhecem ou, pelo menos, com o que dá trabalho. É por isso que, às vezes, resolvem tentar sufocá-la.

Para que seu coração não seja inimigo de seu cérebro, é preciso integralizá-los: convencer a ambos que trabalham para um mesmo nobre fim. É um serviço de longo prazo, mas muito recompensador. Deixo algumas dicas para você:
  • Não tenha vergonha de expressar seus sentimentos, mas não se exponha em demasia. Alguns sentimentos precisam de tratamento interno primeiro antes de saírem para o mundo.
  • Permita-se sentir sozinho tanto os sentimentos prazerosos quanto os sofridos. Não tenha medo. Deixe-os fluir no silêncio do recolhimento sem interrompê-los. Passado o ímpeto, eles tomarão uma forma mais suave, como quem cansa de espernear. Aí você poderá ouvi-los melhor.
  • Por mais que não tenham sentido para você, nunca trate os sentimentos dos outros como bobagens. Se eles existem e são autênticos, são importantes.
  • Evite tomar decisões no calor da emoção. Discipline os sentimentos para que possam ter acesso livre a você, mas "falando" com tranquilidade. Não os deixe ganhar no grito.

No mais, bem-vindo a si mesmo.

sábado, 29 de agosto de 2015

Démodé

Filho, numa turma da escola há 8 alunos que fazem uma mesma prova. As notas deles são como está na figura abaixo. Para a Matemática, como a nota "6" foi a que mais "saiu", ela é chamada a "moda". A "moda" é o valor mais frequente, o mais citado, que mais aparece em uma amostra.


Da Matemática para a vida, tudo aquilo que é de mais gosto das pessoas de uma região torna-se, portanto, "moda" ali. Dá para ver, só por isso, que "estar na moda" pode ser muito perigoso.

Se, num grupo de 10 pessoas, 6 quebrarem o braço, para estar na moda você deve quebrar o seu, por exemplo. Parece ridículo? Mas saiba que muita gente faz coisa muito pior para viver na moda (gente já retirou costela para emagrecer e cortou um dedo do pé para usar sapato de bico).

A "moda" é uma medida do movimento de massa. Esse movimento normalmente é seguido automaticamente por quem não analisa (ou não consegue ou não quer) a situação. Certa vez vi escrita na porta de um banheiro a seguinte frase: "trilhões de moscas não podem estar erradas: coma cocô".

Se decidir escrever a própria história ao invés de só ser cópia da história alheia, se decidir tomar as rédeas nas mãos ao invés de se deixar levar pela manipulação das massas, se decidir deixar sua contribuição ao mundo, esteja ciente que o preço que deve pagar é ser démodé em coisas importantes.

  • Você deve pensar em algumas coisas que dizem que já estão resolvidas.
  • Você deve falar algumas coisas que dizem que são óbvias.
  • Você deve agir em algumas coisas que dizem que é perda de tempo.
  • Você deve dedicar tempo a algumas coisas que dizem ser brega.

O pensamento crítico, a inovação, o empreendedorismo, a criatividade são, por definição, movimentos distantes da moda. Nossa civilização só existe graças aos démodés, porque a História é a história de transgressão à moda. Ainda bem!

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O menino que queria ser adulto

Era uma vez um menino muito esperto chamado Sabú que ficava olhando os adultos e tinha vontade de crescer rápido para ser como eles.



Um dia, quando ele dormiu, sonhou com um gênio que disse que poderia realizar 3 desejos dele.

- "Qual é o seu primeiro desejo, menino esperto?"
- "Eu quero saber tudo o que os adultos sabem."

O gênio então fez a cabeça dele crescer para ficar do tamanho da de um adulto. O menino então caiu no chão porque não conseguia segurá-la.

- "Gênio! E agora?" - disse ele.
- "Você ainda tem 2 desejos, rapazinho."
- "Quero sentir tudo o que os adultos sentem."

O gênio fez o coração dele crescer para ficar do tamanho do de um adulto. O menino então, com o peito estufado, se desequilibrou ainda mais.

- "Gênio, me ajuda!" - pediu.
- "Eu estou te ajudando. Estou realizando os seus desejos!"

Sabú, caído no chão, cheio de preocupações na cabeça e de sentimentos confusos no coração, olhou para o lado e viu como era legal o brinquedo que seu pai havia lhe dado com tanto carinho e ele, tão preocupado em ser adulto, não havia dado atenção. Sentiu saudade e uma lágrima caiu do olho dele.

- "Gênio! Eu ainda tenho um desejo!" - se lembrou.
- "Sim, você quer andar como adulto? Trabalhar como adulto? O que você quer dessa vez?"
- "Eu quero voltar a ser criança."

Neste instante o gênio piscou para ele no sonho e ele, então, acordou assustado. Se agarrou ao seu brinquedo com força, deu um beijo no seu pai e na sua mãe e dormiu de novo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Lei, justiça e ética

Meu filho, as relações sociais entre indivíduos, grupos e países são reguladas, desde muito tempo, pelas leis. A primeira coisa que é conveniente que saiba: legislação não tem nada a ver com ética. A ética busca a justiça; a lei busca a conformidade.



A ética é a lei da consciência, é o posicionamento de dentro para fora; a legislação é a lei social, é a orientação de fora para dentro. Algumas vezes é possível que sejam coerentes: é coincidência. Leis mudam; valores básicos não. Aliás, o que difere os grandes homens dos medíocres é a capacidade de enxergar a ética acima da lei: os abolicionistas quando a lei permitia a escravidão; os libertários quando impunha a dominação; os pacifistas quando autorizava a violência.

É um traço infalível de sociedades atrasadas a complexidade e a mutabilidade da legislação. É construído um compêndio ininteligível de leis, muitas vezes contraditórias, e que mudam a toda hora, para que, no limite, seja impossível conhecê-las e segui-las todas, de forma que a máquina sempre tenha algo de que te acusar. As comunidades maduras possuem regras simples, claras, diretas e que, via de regra, não mudam. Também é característica de sociedades primitivas a altíssima remuneração à burocracia legal, enquanto o empreendedorismo, a criatividade, a educação e a produção recebem atenção menor. É a seta para o caminho do fracasso. Analise-se com sinceridade: você, em sua atividade profissional, contribuiu efetivamente para um país, uma nação melhor, mais ética? Ou só "roda a roda e se deixa rodar"?

Algumas vezes a lei anda atrás dos costumes, outras à frente. O normal seria que andasse ao lado: sendo puxada pelos visionários e puxando os retardatários no progresso. Quem é ético promove a reforma das leis; quem só é legal é peso morto nessa evolução. Sendo ético você provavelmente fará parte do primeiro grupo: não aguarde o progresso da legislação para fazer e exemplificar o que é certo nas pequenas atitudes diárias. Viu algo que pode ajudar na vida social? Comece fazendo. Cada ação ética consciente gera uma onda em torno dela que contagia e propaga. Experimente!

Ética é sua atitude quando ninguém (exceto você) está olhando. Se você não mata alguém com medo de ser preso, você só é inteligente de não querer passar a vida recluso; se você não mata ninguém por convicção íntima, você é ético e não há lei que o obrigue a deixar de sê-lo.

Lembre-se: fazer o que é certo por medo da punição não é fazer o que é certo, é ter medo da punição. Tenha mais receio de quem faz o certo por medo do que o errado por convicção. O segundo pode ser convencido e se tornará, com a mesma força, ético. O caminho do primeiro é mais longo, porque ele ainda não desenvolveu a força em si de fazer o que quer que seja.

Não siga apenas a lei. Seja ético e, com isso, ajude a construir um mundo mais justo, ajudando a mudá-la para melhor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Visite seu pai

Filho, visite seu pai.

Foto: El Grego

Se não puder ir vê-lo pessoalmente, ligue.
Se não puder ligar, mande recado.

Seu pai ou você podem estar viajando. Não importa. Ele ficará feliz em receber seu recado depois.

Se ele não puder ouvir seu recado, escreva e leia para ele depois.

Seu pai pode estar doente e não conseguir te ouvir, te responder ou até te reconhecer. Não importa. Ele, de alguma forma, saberá quem você é e te sentirá na alma.

O corpo de seu pai pode até ter morrido. Não importa. No recolhimento, embrulhe com carinho um bom pensamento e despache para ele com o coração. Se há um correio que pode ultrapassar as barreiras mais impenetráveis é esse.

De qualquer forma, considere compartilhar com outros aquilo que julgar útil para que os inspire, como seu pai tem feito com você nestas pequenas mensagens. Também alegrará seu pai.

Tudo isso, filho, por incrível que pareça, também é visitar seu pai.

Filho, visite seu pai.

P.S.: Vale o mesmo para sua mãe.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Problemas e soluções

Filho, vivemos um momento em que a palavra "problema" está muito mal aceita como se quem a usasse fosse um pessimista. Em seu lugar tem-se empregado muito outra: "desafio". Obviamente não são sinônimas e sua troca pode ser perigosa. É um modismo que espero que tenha passado quando você for ler esta mensagem. Quero falar com você sobre problemas e soluções.


A palavra vem do grego e significa, literalmente, "algo jogado na frente de alguém". Qualquer coisa, portanto, que faça você sair da sua área confortável é, por definição, um problema. Mas para que servem, afinal? Como solucioná-los?

A História nos mostra que os grandes feitos que fizeram diferença para a Humanidade são a combinação de problemas e soluções. De outra forma dizendo, o problema é um agente impulsionador da evolução desde que saibamos tratá-lo de forma adequada e duradoura.

Quando se deparar com algo que for "jogado à sua frente":
  • Admita a si mesmo o problema, de forma clara.
  • Imagine o resultado futuro do qual esse problema pode ser contribuinte.
  • Tenha consciência de que nem todo problema pede uma solução sua. Saiba seu limite de ação.
  • Para os que pedem solução, nem todos a pedem agora. Não tenha pressa injustificada.
  • Nem toda solução resolve o problema. Saiba escolher o que de fato pode ser eficaz.
  • Analise se a solução não cria outros problemas, às vezes maiores do que o primeiro.

Nem todo problema é um "desafio". Se você encarar assim:
  • Se envolverá em coisas que não são problemas reais.
  • Dará soluções a problemas que não existem e, com isso, deixará de atacar os que existem.
  • Mesmo que identifique o foco correto, os analisará com pressa, criando outros tantos.

Portanto, analise os problemas na sua dimensão correta, com serenidade, humildade, honestidade, objetividade e perenidade. Compartilhe os resultados. Só assim você os solucionará definitivamente.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Personalidade

Filho, no antigo teatro grego, e depois no romano, os atores usavam máscaras com um equipamento cônico acoplado na abertura da boca que fazia as vezes de um alto-falante para projetar sua voz para a plateia (já que não existia sistema de som). Por conta desse artefato, essas máscaras ficaram conhecidas como personas, que vem do latim per sonare ("para soar").


Para fazer nossa voz soar na vida social, também precisamos de um equipamento, só que psíquico: a "personalidade". Até certo ponto, quando, por cuidado com o outro, respeitamos as regras de tal ou qual comunidade, é saudável vigiarmos nosso falar e agir para que nossas ideias soem de forma respeitosa e, no fim, efetiva. O problema, como sempre, é o exagero.

Quando a máscara toma vida própria, não quer mais se desgrudar do rosto que a carrega. É quando, de tanto representar algo que não é, o ser humano passa a se esquecer o que é. Nesse estágio, a persona só aceita ser substituída por outra, tão falsa quanto a primeira, para que se perpetue, naquele ser agora sem face própria, a dominação do faz-de-conta. Você se assustará como isso é, infelizmente, comum, meu filho. Por isso, te peço:
  • Seja honesto consigo mesmo sempre sobre seus defeitos e qualidades.
  • Respeite os outros, mas antes respeite a si próprio: seus princípios, seus valores.
  • Tome 1 minuto por dia, escolha um acontecimento e se veja de fora.
  • Dê atenção quando quem convive contigo te alertar que você está mudando.
  • Junte seus amigos de infância de vez em quando e, nesses encontros, ouça-se.

Em suma, use sempre o espelho da consciência para não esquecer o seu rosto, filho. Quando chegar a hora de deixar o palco da vida, as máscaras devem ficar no camarim.

sábado, 22 de agosto de 2015

Intuição

Meu filho, você verá que existem vozes internas que gritam em nossa mente e nos apontam uma solução, um caminho, uma ideia. São as intuições.


Há teorias diferentes sobre a origem dessa força que se abre em nossa mente e que torna algum ponto claro de uma hora para outra:

  • uns acreditam que é um efeito orgânico: o cérebro ficaria processando informação em segundo plano e que quando tem uma solução a traz a nível consciente.
  • outros acham que a mente pode mergulhar em níveis de consciência alterada e, com isso, ter acesso a conhecimentos ocultos, enterrados, esquecidos.
  • ainda há os que asseveram ser a interferência de inteligências externas, ou a própria humanidade numa nuvem de conhecimento coletivo ou mesmo ação de seres extracorpóreos.


De fato, a origem é o menos importante. O fundamental é saber identificar a intuição, respeitá-la e dar a ela uso e consequência adequados. É nisso que quero ajudá-lo:

  • Tenha sempre à mão uma forma de anotar essas ideias extemporâneas, principalmente ao lado de sua cama, porque elas costumam ser frequentes durante os sonhos.
  • Não as tome por verdade direta. Às vezes as intuições são simbólicas. Interpretá-las é uma questão de experiência própria. Os outros não poderão te ajudar muito.
  • Dê atenção a elas durante um período limitado. Se não fizerem sentido ou não se confirmarem, esqueça-as no baú mental. Algumas idéias são apenas descarga de memória cerebral sem significado.
  • Fale pouco de suas intuições com os outros. Elas só têm sentido racional e sentimental a você.

Por fim, seja grato por elas transformando-as em algo útil. Elas não são presentes, são convites ao serviço.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O sobrenatural

Filho, existem muito mais coisas que nós não entendemos do que entendemos. Por exemplo: 99,6% do que existe no Universo é matéria invisível para nós. É razoável admitir que existem fenômenos inobserváveis e incontroláveis que, entretanto, nos afetam. Mas será que existe o sobrenatural?


Muitas são as histórias de feitos fantásticos de determinados personagens. Poderiam ser reais essas narrativas?

O fogo foi considerado um deus até que o homem o dominasse. Muitas doenças só foram entendidas depois que foi revelado o mundo microscópico. Sempre se pensou que voar seria impossível até que Santos Dumont inventou o avião. Ainda hoje existem frequências que são inalcançáveis para todos os nossos aparelhos e nossos sentidos e ali pode existir, em tese, um mundo coexistindo com o nosso.

E se o que chamamos hoje de milagre fosse apenas o resultado de um fenômeno ou uma lei ainda desconhecida? E se os seres excepcionais que supostamente os realizaram fossem apenas ou mais esclarecidos ou tivessem, por uma capacidade qualquer, acesso a algum desses processos?

Não caia na armadilha de acreditar que o ser humano possui a última palavra de conhecimento do Universo. Essa é a fórmula da paralisia. Não duvide por sistema nem aceite sem julgamento. Investigue. Questione. Considere. Pense. A humildade refletida é o caminho do crescimento.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Diálogo

Filho, desde que existe o ser humano em comunidade existe sua expressão através da palavra falada. Estima-se que, na sociedade contemporânea, falemos uma média de 15 mil palavras por dia. Mas dessas quantas são realmente troca útil de informações?


Várias pessoas falando entre si pode ser um diálogo ou um conjunto de monólogos. O que diferencia as duas situações? O diálogo pressupõe:
  • escuta
  • interesse pelo outro
  • vontade genuína de compreender o pensamento alheio
  • humildade
  • paciência
  • boa vontade

Dá pra ver que dialogar gasta mais tempo e mais energia, não é? Mas é o único caminho possível para se chegar a um verdadeiro entendimento, é a única forma de criar comprometimento entre os participantes, é a única resposta duradoura para conflitos.

Procure-o como primeira saída. Comunique-se de forma clara, mas ouça de forma paciente. Fale o que pensa, mas ouça humildemente. Defenda seus valores, mas ouça os dos outros.

Só há meio termo entre lados que se respeitam. E normalmente a resposta não está com um ou outro lado, está no meio do caminho entre eles, num local só possível de ser conhecido pelo diálogo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Escolher as batalhas

Filho, faz parte da estratégia dos inescrupulosos criar guerras fictícias e envolver nelas os incautos. A ideia principal é manter os alienados ocupados o suficiente para não atrapalharem o projeto de poder de uma minoria. Em inglês, há uma expressão consagrada sobre isso: rat race (corrida dos camundongos). Portanto, cuidado!



O poder de manipulação de seres treinados para isso pode ser grande e sedutor. Contra ele sempre reinará a calma, a verificação e o olhar mais do alto, já que a ideia é que jamais ninguém levante a cabeça para questionar o sistema em si, apenas detalhes que, para eles, são irrelevantes.
  • Qual é o melhor time de futebol? - ao limite da violência. Enquanto isso, cartolas se sentam na mesma mesa e negociam resultados de jogos.
  • Qual é a melhor forma de governo? - ao limite da truculência. Enquanto isso, dirigentes políticos comem no mesmo prato com o dinheiro da população.
  • Qual é a melhor religião? - ao limite da intolerância. Enquanto isso, dirigentes de muitas delas compartilham as mesmas táticas de dominação sem se importar com seus princípios.
  • Qual é o melhor equipamento tecnológico? - ao limite da irracionalidade. Enquanto você vê que, na verdade, a dona das duas ou três marcas aparentemente concorrentes é a mesma.

Como, então, sair dessa corrida que só faz você perder o seu tempo e se voltar para o que de fato interessa? Escolhendo as batalhas que valem a pena serem lutadas. Como?
  • Não entre em um debate sem estudar - sozinho - o assunto antes. Não seja massa de manobra.
  • Não compre a ideia de ninguém. Não terceirize sua análise crítica.
  • Se questione se os lados podem ter um interesse comum. Um bom exercício para fazer isso é: se ETs invadissem agora a Terra, os lados se uniriam? Julgue por aí a importância da luta.
  • Ouça sempre o contraditório antes de comprar uma briga. Mesmo que ele te pareça louco.
  • A causa da disputa normalmente é (muito) oculta. Não se iluda. Busque a causa da causa e só julgue após visualizá-la de forma clara.
  • Analise as consequências práticas. Se elas são pífias - normalmente são -, a luta é inútil.
  • Priorize o que tem maior impacto e menos esforço (normalmente para resolver os 80% dos problemas mais críticos, você só precisa de 20% do esforço - essa é uma regra conhecida como Regra da Pareto, embora o próprio Pareto não tenha nada a ver com ela). Comece por aí.

Estar aberto a reconsiderar algo, com sinceridade, se sua causa for justa, só reforçará sua convicção; se não for, ajudará a sair dela mais rápido.

Por fim, entenda que só há dois tipos de pessoas que não mudam de opinião: o muito burro e o muito sábio. E normalmente existe sempre alguém mais sábio do que nós.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Grupos

Filho, pela diferença de tendências, gostos e mesmo de princípios, vale para as pessoas a mesma lei da Química: "semelhante dissolve semelhante". É assim - pela atração por alguma simpatia - que se formam os grupos de todos os tipos.


Você certamente integrará, desde a escola, algumas sociedades. Até um certo ponto, isso é saudável - permite que você encontre pessoas que têm interesses parecidos com os seus e reforça em você esses pontos que você considera importantes. Mas existe um limite além do qual esse grupo pode ser inútil ou mesmo pernicioso para a comunidade e para você - sua humildade e sua sanidade.

Para ajudar a diagnosticar esse ponto de perigo, deixo a você algumas reflexões em forma de perguntas que você precisará se fazer sempre:
  • Como o grupo vê os que não pertencem a ele? Se for de forma inferior ou apenas sectária ou com rótulos, tome cuidado! O descolamento da realidade é sintoma de alienação.
  • Como são os processos de entrada/permanência/saída? Ele seleciona as pessoas por algum critério estranho aos seus valores pessoais ou mesmo aos princípios alegados pelo grupo? Se sim, não entre. Se entrou, saia.
  • Quanto tempo das reuniões é gasto efetivamente nos objetivos a que se destina o grupo? Se for pouco, considere usar melhor o seu tempo.
  • A sociedade tem alcançado resultados úteis à comunidade em geral ou apenas aos seus membros? Se a resposta for "apenas aos membros", lembre-se de que uma organização egoísta tende a formar homens egoístas.
  • O grupo trabalha para deixar de ser necessário? Parece uma pergunta estranha, mas pense nela. Os grupos verdadeiramente dedicados à melhora geral normalmente trabalham para que a coletividade alcance um grau em algo que o tornará desnecessário, e isso não o incomoda. Os grupos com tendência dominante ou interesses escusos, ao contrário, trabalham para se tornarem indispensáveis.

Não há problema algum com as "panelas" - elas são até necessárias transitoriamente - mas, lembre-se, filho: elas têm que ter a borda baixa - para que se possa entrar/sair, para que se possa enxergar dentro, para que de dentro não se perca a realidade de fora. Entre uma frigideira e um caldeirão, prefira a primeira.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Tecnologia

Filho você vai ter oportunidade de entrar em contato com várias inovações tecnológicas. Algumas parecerão a você geniais, fantásticas, indispensáveis.



Calma quando chegar a empolgação.

Nossos antepassados inventaram coisas que realmente mudaram o mundo para sempre, como: o fogo, a escrita, a roda, a máquina de tear, a máquina a vapor, a eletricidade, o avião, etc.

Mas até hoje no mundo há pessoas que: morrem de frio, são analfabetas, se locomovem a pé, não têm o que vestir, estão excluídas do mínimo de conforto e até dignidade do mundo contemporâneo.

Quando se deparar com o marketing da tecnologia, filho, não pergunte "o que isso pode fazer por mim?". Pergunte antes: "como fazer com que isso possa ajudar o mundo?". Mesmo que você não invente algo genial, sempre poderá ser indispensável pensando formas de tornar o genial útil a todos.

domingo, 16 de agosto de 2015

Olhar nos caminhos da vida

Filho, quando for caminhar, olhe a maior parte do tempo para frente, para seu objetivo e para os que se adiantaram, para que te motivem.



De vez em quando, entretanto:

  • olhe para o lado, para saber quem caminha com você
  • olhe para cima, para sentir a beleza que guia sua estrada
  • olhe para baixo, para não se esquecer do chão que te suporta
  • olhe para trás, para inspirar algum coração que ficou atrasado

Nos caminhos da vida, a viagem é tão importante quanto o destino.

sábado, 15 de agosto de 2015

Leitura

Filho, nós te apresentamos, desde bebê, o livro e criaremos em você a disciplina da leitura. Mas é fundamental que você a transforme em hábito.




O homo se descolou de sua origem animal pelo desenvolvimento da linguagem complexa. A organização das sociedades só foi possível com o registro dessa linguagem através da escrita. Até hoje, quando valorizamos a palavra, em qualquer de suas formas, nos posicionamos mais fortemente do nosso lado humano e isso nos abre acesso a infinitas possibilidades.

Como em tudo, é preciso separar o joio do trigo. Há leituras que só te induzirão a perder tempo, outras te farão ganhar muito. Acredite:
  • o livro facilita a reflexão e a absorção de ideias, porque é você quem dita o ritmo da leitura.
  • quem não lê não sabe nem falar nem escrever bem.
  • o livro é a única forma capaz de registrar todas as épocas e espaços do planeta.
  • não existe melhor forma de conhecer uma cultura do que lendo seus pensadores.

Atenção: o livro não é um mundo concorrente ao mundo real - pensar assim é usá-lo para uma finalidade torta de fugir da realidade. O livro é um mundo de suporte, em que se mergulha para se entender e agir no mundo real.

Como seu tempo é limitado, deixo algumas dicas para suas escolhas de leitura:
  • leia os clássicos e fuja das modinhas.
  • leia de vez em quando autores dos quais você discorda.
  • leia na língua original sempre que possível.
  • evite livros que falam de outros livros - vá direto na fonte.
  • varie o gênero: poesia, conto, crônica, etc.
  • não despreze autores densos - eles fizeram esforço para encaixar em um livro suas ideias.
  • você não precisa terminar todo livro que começa. Não te agrada? Doe. É ruim? Jogue fora.
  • leia sempre o que seu pai escreveu para você :-)

Boas leituras! Boa viagem!

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Ante a má-fé

Filho, uma das coisas mais difíceis e desgastantes a uma pessoa honesta é quando tem que lidar com a má-fé.


Quando você puder escolher, afaste-se sem pesar de pessoas mal-intencionadas. Manter voluntariamente relações com gente maliciosa só terá por consequência infelicidade. Sempre.

Algumas vezes, entretanto, isso é impossível, porque as circunstâncias o obrigam (por exemplo, profissionais). Aí é útil conhecer seu jeito de pensar e as armas que usam:
  • a sociabilidade: um traço comum a quase toda pessoa de má-fé é ser altamente agradável (o contrário não é verdade: nem toda pessoa agradável é mal-intencionada). Não se deixe empolgar pela eloquência e ou capacidade social de ninguém.
  • a confiança: ganhar a confiança do de boa-fé é essencial para que ele consiga atingir suas metas. Os bem-intencionados costumam também ter uma visão boa do mundo e tendem a confiar rápido demais nos outros. Controle seu nível de confiança com o tempo de observação das atitudes do outro.
  • a intimidade: é comum que tentem demonstrar intimidade com você, principalmente na frente dos outros, como forma de, com isso, obter um salvo-conduto de suas ações. Não corresponda. Se você não tem intimidade com aquela pessoa, deixe isso claro no mesmo fórum e na mesma hora que ele tentar passar essa impressão, sendo formal ou até frio, se necessário.
  • a bajulação: é traço frequente também entre os maldosos a tendência em bajular. O silêncio, nesses casos, ajuda muito.
  • a informalidade: o malicioso tem pavor de registros, porque deixa rastros de suas ações. Ao detectar comportamento de má-fé proteja-se documentando toda atitude que for depender de ou envolver aquela pessoa.
  • a falsa lógica: é normal tentarem induzir um pensamento lógico falso, seja por uma premissa falsa, por uma relação de causa/consequência inexistente, por uma generalização indevida, por um conceito anacrônico, etc. O melhor caminho é fazer você o caminho lógico repetindo o que ele falou em ordem: "Deixa ver se eu entendi: isso é assim, logo aquilo é assado?". Isso vai evidenciar de imediato qualquer pulo intencional que tenha sido dado.
  • a igualdade: ao verificar que está sendo tratado diferente dos outros, a maldade tenta apelar para o sentimento de igualdade do bem. Você tem a obrigação de não destratar nem ofender ninguém, mas o opcional quem controla é você. Não há nada de errado, em se tratando de boa ou má intenção, em se tratar desigualmente os desiguais.
  • a urgência: normalmente o mal intencionado joga com o tempo, evitando a reflexão por parte dos bem intencionados. É natural, porque diminui a chance de ser desmascarado. Em caso de qualquer dúvida, adie a ação, se possível - se não for possível, redobre sua atenção. Tenha prudência com o que a má-fé te diz ser inadiável.
  • o constrangimento: quando tudo falha, o mau apela para o constrangimento em público para forçar uma situação ou uma decisão. Não se deixe constranger. Seja transparente no mesmo fórum na mesma hora e deixe claro os motivos de você não seguir o caminho tal ou qual.


Por fim, cuidado para não ser injusto. Nem ignorância, nem inexperiência, nem erros são necessariamente má-fé. Você os diferenciará pela disposição sincera que perceber na pessoa em reconhecer o problema de forma completa e se empenhar para resolvê-lo, com transparência e trabalho.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Reuniões

Filho, sempre que você coloca seres humanos juntos, você cria um microcosmos, uma amostra mais ou menos interessante do nosso mundo. Você experienciará isso muitas vezes nas chamadas reuniões.


A primeira coisa a se perguntar em uma reunião é se ela tem objetivo estabelecido. Você se surpreenderá em descobrir que boa parte não tem (verdade!). Se tem, certifique-se de que todos o conhecem. Para isso, é importante começar gastando 5 minutos na formação de uma visão comum. Só a partir daí é que começa a reunião. Deixo algumas dicas a você:

  • Comece pelos pontos em que haja concordância. Isso cria reserva de boa vontade nos participantes, fazendo com que se desarmem.
  • Se possível, conheça o temperamento das pessoas que ali estão e tente equilibrá-los para que não haja perda de ideias e participação: estimulando o introspectivo a falar, dando uma visão mais ampla ao detalhista, um tempero humano ao sistemático, profundidade de análise ao superficial, contenção ao empolgado.
  • A cada assunto abordado, conclua. Escreva, mesmo que seja de forma resumida, e deixe as conclusões à vista de todos para que possam lê-las a qualquer momento (talvez em um quadro ou em uma folha de papel).
  • Documente o que for impactante em uma ata. A ata deve ser feita também à vista de todos, usando as conclusões que estão escritas como base, e o texto deve ser aprovado na hora por todos. Se possível, escreva você. A história que irá ficar da reunião é esta. Reunião sem ata não existiu.


Por fim, não deposite demasiada esperança nas reuniões. Elas são uma resposta boa para alguns casos e uma fuga para outros. São usadas quando se quer resolver um problema e também quando se quer tumultuá-lo mais.  Podem ser uma resposta a uma pergunta ou a algo que não foi perguntado. Não se deixe manipular em casos inúteis. Seja direto, respeitoso, humano, objetivo para que você seja um elemento a melhorá-las e torná-las efetivas.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Fidelidade

Filho, Dante Alighieri, no século XIV, escreveu o que ficou depois conhecido como "A Divina Comédia", em que ilustra diversos níveis do céu e do inferno. O último nível do inferno, o nono, que ele chamou de "lago Cocite", de tão quente é gelado e é reservado especialmente aos traidores.

Quadro de Gustave Doré representando o lago Cocite

A palavra fidelidade, oposta à traição, vem do latim fides, mesma raiz da palavra "fé". É preciso que haja fé nas relações entre semelhantes e, mais, entre amigos: ser digno de fé e ter fé no próximo. Mas a fidelidade não pode ser burra, quando se transforma em ingenuidade. Ao mesmo tempo precisa ter entrega, sem a qual ela não se realiza de forma completa.

Poderia resumir que a fidelidade precisa estar sempre acompanhada da prudência e da honestidade. Antes de ser fiel a uma pessoa, seja fiel a si mesmo. Com os outros seja verdadeiro. Aos poucos, você verá que, quando houver convergência de valores e ideias, a fidelidade pessoal poderá ir nascendo e se solidificando.

De qualquer forma, não traia ninguém, mas, antes de tudo, não traia a verdade. É melhor perder um amigo sendo verdadeiro do que mantê-lo a custo da falsidade. Essa é a maior traição, porque engana ao outro e, principalmente, a você mesmo.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Setênios

Filho, as pessoas que estão lendo este seu blog estão me perguntando por que dividi minhas mensagens a você em períodos de 7 anos, ou setênios.


Ninguém duvida que a vida é feita de fases, de ciclos e que cada um desses períodos apresenta seus desafios próprios. Em algum momento ...
  • a criança começa a olhar para fora de casa e se socializar
  • o adolescente sofre mudanças físicas e emocionais intensas
  • o jovem busca o mundo
  • o jovem adulto se estabelece emocional e profissionalmente
  • o adulto estrutura sua família e pesa suas prioridades
  • o adulto maduro questiona seu papel no mundo
  • o adulto mais velho busca valores diferentes dos de sua juventude

E assim por diante.

Não há nada exato, mas se estipularmos para essas quebras períodos de 7 anos não faria algum sentido? Não parece combinar mais ou menos com o calendário de "crises"? Não parece também que a crise de querer mudar o mundo (14 anos) é diferente da de querer mudar a si mesmo (42 ou 49 anos)?

Quando escrevo a você, meu filho, tento imaginar com quantos anos aquele texto fará mais sentido, ou seja, o que você estará buscando nessa idade. Você não está proibido de lê-los antes, mas imagino que, relendo-os no período correto, eles podem te trazer novo significado.

Não é só porque as células de nosso corpo se renovam em média a cada 7 anos, porque o corpo é formado por 7 octilhões de átomos ou porque a semana tem 7 dias, muito menos porque a Branca de Neve tem 7 anões. Divido minha mensagens em setênios porque quero amaciar suas crises através da reflexão, mas sem te tirar o aprendizado. Divido minhas mensagens em setênios porque não te vejo dividido, mas integralizado em pequenas buscas diferentes que se somam.

Mas você só enxergará isso quando deixar de se importar tanto em contar os anos.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Simplicidade

Filho, se deixarmos cair uma gota d'água sobre uma superfície qualquer, ela percorrerá sempre o caminho de menor gasto de energia, mesmo que ele seja, às vezes, o mais longo. E ela jamais trapaceia - percorre a estrada completa.

A Natureza, outra vez, nos ensina. A simplicidade é lei da vida. Tudo que evoluiu na Natureza é essencialmente o mais simples possível para aquela finalidade.


Quantas vezes fazemos coisas inúteis ou percorremos caminhos desnecessários para chegar a um resultado que poderia ter sido alcançado de forma muito mais direta? Boa parte da energia que se gasta para resolver problemas é resolvendo outros problemas que nós mesmos criamos em torno. Isso se tornou tão comum que uma solução simples pode chegar a ser vista como esquisita.

Sugiro que, quando estiver procurando um caminho para resolução de desafios:

  • Tenha claro em sua mente o objetivo final que você precisa alcançar. Ele é a sua meta. Atenção: você será seduzido a achar que chegou ao objetivo final quando na verdade pode estar muito longe dele. Cuidado. Mesmo que leve algum tempo, não pule esse passo. Anote.
  • Imagine: se você não fizer nada, absolutamente nada, qual será o encaminhamento do problema? Anote.
  • Que ações são imprescindíveis para melhorar o caminho do não fazer nada? Atenção: você será seduzido a achar que precisa de um enorme número de ações. Cuidado. Depois de listá-las, retire-as e reveja se são realmente necessárias. Anote-as.

Este é o seu caminho simples de solução daquele problema. Pronto. Revisite-o de vez em quando.

Não confunda simplicidade com simplismo. A simplicidade é o caminho mais direto, estável e duradouro de alcançar plenamente um objetivo. O simplismo é o atalho mais curto que não chega à finalidade plena. Distinguir um do outro só é possível quando o objetivo é bem conhecido.

Por fim, caso alguma parte do caminho desvie do que é ético, refaça-o. Não existe simples antiético. É falsa simplicidade.

sábado, 8 de agosto de 2015

O óbvio

Filho, um mundo pasteurizado é um mundo onde o que é aceito por todos é óbvio e o que não é loucura. Tenha cuidado.
  • Era óbvio que a Terra era quadrada até matemáticos gregos mostrarem o contrário.
  • Era óbvio que era o centro do Universo até Copérnico provar o oposto.
  • Era louco quem falasse do mundo microbiano até observá-lo pelo microscópio no século XVIII.
  • A Teoria da Relatividade foi considerada devaneio até que pudesse ser comprovada há pouco tempo.


A história do progresso do pensamento humano, filho, é a história dos que questionaram o óbvio.

Alimente o contraditório no seu pensamento. Aprenda a deixar sempre viva a chama da curiosidade e da insatisfação, para que possam sempre questionar: "Será?", "E se não for assim?", "Você está vendo tudo?", "E se fosse diferente?", "Como foi no passado?", "É sustentável que continue sendo assim no futuro?".

Não se deixe congelar na mediocridade na qual a coletividade sempre tentará colocá-lo, compartilhando seu interesse em conhecer mais, sempre através de perguntas à moda das crianças.

Criar um desconforto sadio à sua volta, com o cuidado de não se tornar um chato, é contribuir para um mundo que precisa se reinventar sempre para continuar existindo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Infância

Filho, se somos uma espécie tão inteligente, por que a infância no ser humano é tão mais longa do que nos outros animais? Por que precisamos de 10, 20 anos para nos tornarmos independentes e outros seres já não precisam mais da mãe pouco tempo depois de nascerem? Pode parecer um contrassenso da Natureza, mas será que é mesmo?


Ao contrário de outras espécies, nossa vida não se resume aos processos vitais. Somos seres muito mais complexos, com estruturas físicas, emocionais e psíquicas que ultrapassam e muito a necessidade de sobrevivência. Dessa forma, a pergunta correta passa a ser: o que a vida tem a nos ensinar com uma infância tão longa?

Foi moda há algum tempo atrás tentar “adiantar” o desenvolvimento das crianças, ensinando-as a andar, a falar, depois a ler e a fazer contas sempre antes da idade normal. Os pais achavam que, com isso, estariam beneficiando seus filhos num mundo competitivo. Depois, viu-se que essas mesmas crianças tornaram-se, muitas vezes, adultos sentimentalmente inseguros, frios, quando não sociopatas.

A vida tem suas fases e a Natureza não as manteve durante centenas de milhares de anos à toa. Nesses primeiros anos, a criança é altamente receptiva e tem uma visão de mundo muito positiva: um mundo bom, bonito, instigante, verdadeiro. Essa ingenuidade é essencial para que ela esteja aberta ao aprendizado e à vivência junto à sua família e, depois, a seus amigos, construindo sua personalidade. A infância é a fase em que o corpo ainda está em formação e, por isso, o ser psíquico (pensamento, sentimento e individualidade) ainda está mais livre.

Observe as gradações
Em que a planta se mantém:
Semente, ramos e flores…
Depois é que o fruto vem.
(Cornélio Pires) 

Não se adianta um desses processos de identificação (por exemplo, o racional) impunemente. O tempo parece longo, mas ele é intensamente preenchido. Não existe hora inútil. Qualquer desrespeito ao crescimento natural do ser, nessa fase, só gera desequilíbrio.

Por isso, filho, deixamos e deixaremos com que você seja criança. Deixaremos você se sujar, mas estaremos cuidando para que não se fira ou adoeça. Não te daremos respostas a perguntas que não forem feitas, mas estimularemos sua curiosidade. Não queremos uma criança-adulto agora. Queremos um adulto-adulto no tempo certo. Para isso, precisamos deixar com que seja uma criança-criança. Porque te preparamos para você mesmo e não só para o mundo. Porque te queremos inteiro e não partido. Porque te queremos feliz e não só bem sucedido. Porque te amamos. Incondicionalmente.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O certo e o errado

Meu filho, você verá que uma das coisas mais difíceis pode ser, em algumas situações, julgar o que é certo e o que é errado. Você provavelmente não concordará comigo quando tiver 15 anos; com 30 é mais provável que concorde.


Como não temos, normalmente, possibilidade de analisar uma condição de forma completa, ficamos cada um com uma parte da verdade. Dependendo de que parte(s) você consulte, algo pode parecer certo ou errado - e pode não ser. Seria mais simples se o mundo fosse preto ou branco, mas ele é cinza.

Para piorar, ainda há dois movimentos que aumentam essa confusão: a manipulação e a simplificação. Na primeira, tentarão fazer com que você acredite que algo é o que você está vendo que não é; na segunda, tentarão esconder segmentos de análise para te induzir ao erro.

Por isso eu deixo a você alguns elementos para ajudá-lo no julgamento:
  • Veja sempre outro lado, por mais ilógico ou mesmo repugnante que possa parecer. Lembre-se: tudo tem uma lógica, mesmo que você não concorde com ela.
  • Faça o certo por convicção. Julgue e aja certo com conhecimento de causa.
  • Não é pelo fato de algo ser legal que é certo nem ilegal que é errado. A escravidão era legal, mas sempre foi errada.
  • Adie o julgamento. Reúna as informações primeiro, organize-as na sua mente, forme uma ordem e só depois as analise. A análise antecipada pode levar você a descartar itens preciosos.
  • Procure entender a intenção de quem provocou o fato. Ela é um indicativo de sua natureza.
  • Mapeie as consequências. Se o resultado não for bom, a ação não pode ser boa.
  • Os fins não justificam os meios. É sempre possível fazer o certo de forma certa. Normalmente é o caminho mais longo e mais penoso, mas isso não deve levá-lo a achar normais atalhos.


Por difícil que possa ser o julgamento, o certo é sempre certo, não importa que façam o contrário; e o errado é sempre errado, não importa quantas vezes tenha tentado ser rotulado de certo.

Por fim, você possui um guia seguro dentro de você que você deve aprender a consultar no recolhimento, no silêncio, na reflexão: sua consciência. Treine acessá-la e dê a ela a importância que ela merece e ela será sempre sua aliada.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Trabalho

Filho, o trabalho é lei da vida. Tudo no Universo trabalha.


Para a Física, trabalho é o quanto de FORÇA você faz que resulta efetivamente num DESLOCAMENTO. Se você empurrar com toda força do mundo uma parede e ela não sair do lugar, seu trabalho foi nulo; se você não precisar também fazer força para alguma coisa se mexer (que já esteja se mexendo, por exemplo), seu trabalho também foi zero.

Por que eu estou lembrando para você o conceito de trabalho da Mecânica? Porque ele é ótimo para te alertar de duas coisas em relação ao seu trabalho diário: profissional, familiar, íntimo, etc.
  1. Só existe trabalho verdadeiro com resultado. O desejo é ótimo, mas ele precisa gerar uma consequência útil. É daí que vem a frase: "de boa intenção o inferno está cheio".
  2. Só existe trabalho verdadeiro com esforço próprio. Apropriar-se do que já existe, do que está pronto, não é trabalho, é fraude. Você verá que muitas pessoas aparentemente bem sucedidas são apenas aproveitadoras do trabalho alheio. Não seja uma delas.

Entenda, também, que toda energia gasta na direção errada (por exemplo, tentando empurrar o objeto da figura de forma inclinada para baixo ao invés de para o lado) é pura perda de energia. Conhecer o objetivo que você quer alcançar e gastar a maior parte do seu tempo nisso é trabalhar produtivamente.

Por fim, entenda que trabalho é diferente de emprego (vou lhe falar de emprego outro dia): trabalho é um movimento espontâneo da vontade que resulta em algo proveitoso para si e para os outros. Por hora, quando for procurar um emprego, busque um que te permita trabalhar.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Doenças

Filho, uma doença é uma disfunção no equilíbrio das funções do corpo e pode ser provocada por diversos fatores.


Alguns pensam que as doenças são desajustes físicos ou químicos e precisam ser combatidas com remédios. Outros incluem no combate, ainda orgânico, a alimentação, o estilo de vida, a prática de exercícios físicos. Ainda há os que já situam algumas doenças no campo do que chamam psicossomático: causadas ou mantidas por uma postura mental ou emocional que as alimenta. Por fim, os que ainda incluem doenças por motivações espirituais.

Como em tudo, a realidade é uma composição de pequenas verdades. Todos estão certos em alguns casos e errados se tentam generalizar. Uma martelada na cabeça pode causar uma doença? Sem dúvida. Um estado depressivo também? Claro. Qual é a mais grave? Só quem passa sabe dizer.

Por isso, quando estiver doente ou quando tiver alguém doente próximo a você:
  • Acalme-se. A tranquilidade é o estado ótimo para a recuperação de um corpo adoentado.
  • Procure um médico. Mesmo que a origem principal não seja meramente orgânica, combater os sintomas é essencial para melhorar seu bem-estar.
  • Procure a causa. Procure a causa da causa. Procure a causa da causa da causa. Procure ... até estar convencido de que chegou à raiz do problema.
  • Não despreze visões médicas holísticas, que buscam o equilíbrio do ser como um todo, tais como a homeopatia e a medicina antroposófica, principalmente com problemas crônicos.
  • Antes de qualquer decisão de impacto, como cirurgia ou tratamentos de fortes efeitos colaterais, consulte outro profissional e durma uma noite pelo menos pensando sobre o assunto.
  • Em paralelo ao tratamento médico, você pode considerar: psicoterapia, acupuntura, exercícios físicos direcionados, meditação, reeducação alimentar, tratamento espiritual.

A Medicina é uma ciência de observação e, como tal, com resultados estatísticos variáveis. Respeite-a sinceramente, mas jamais a tome por verdade absoluta.

Por fim, lembre-se do poeta romano Juvenal que resumiu o desejo que julgava correto ser pedido em relação à saúde: "mens sana in corpore sano" ("mente sã em corpo são"). Saúde é sustentar pensamento saudável num corpo devidamente cuidado. Cuide-se.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Filhos

Meu filho, seu avô Antonio foi um modelo de pai: meu amigo, meu mestre, meu norte. Por ele senti o maior e mais profundo amor e gratidão que jamais imaginei que pudesse ser superado. Mas foi.

Foto: El Grego

Garanto a você que o amor de um pai por um filho é o ápice de sentimento que podemos chegar em nosso mundo. Não há nada, absolutamente nada, que se aproxime dele. Eu não sabia disso até olhar para você - e ver você olhando para mim.

Te peço, então, meu filho, cuidado. Cuidado para cultivar essa planta preciosa numa terra que faça jus à sua grandeza. Um filho não pode ser uma brincadeira, uma aventura, uma tentativa. Um filho é a culminância de um processo lindo que começa muito antes do seu nascimento.

Você foi desejado, planejado, foi alvo de centenas de conversas entre eu e sua mãe, foi abraçado por nossos corações muito antes de nascer, foi acompanhado todos os dias no ventre com uma chuva de carinho, foi recebido com alegria, cultivado com amor e educado com dedicação. Isso mudou completamente nossas vidas, nosso tempo, nossas prioridades. E adoramos que tenha sido assim.

Quando for pensar em ter filhos, esteja convencido da seriedade da decisão que é. Reverencie a oportunidade de sentir, em vida, esse amor, perguntando-se antes se poderá dar a eles o berço da preparação, da emoção e da doação que eles requerem.

Quando for pensar em ter filhos, não perca a chance de ser pai.

domingo, 2 de agosto de 2015

Civilidade

Filho, a cidadania é o sentimento de pertencimento a um contexto social (uma vizinhança, uma cidade, um país ou o planeta ou até o Universo). A cidadania se expressa pela civilidade.



Não espere para ser cívico por força da Lei. Quem assim faz perde oportunidade de ouro de exercitar a tolerância e a auto-educação e não aprende efetivamente. Ande avante do que é legal, usando a arma do diálogo, assim ajudando o progresso da legislação através do exemplo repetido de civilidade.

A civilidade é enxergar quem pode estar ao seu lado, como numa dança, é deixar o espaço aberto para que o espetáculo da harmonia possa acontecer. Pense sempre que:
  • Todo elevador será usado logo logo por uma pessoa passando mal.
  • Toda rampa precisará logo logo ser percorrida por um cadeirante.
  • Todo sinal fechado será atravessado logo logo por uma criança.
  • Todo acostamento precisará ser usado logo logo por uma ambulância.

A civilidade é o único meio de sobrevivência de seres inteligentes que vivem em conjunto. Além disso, é muito bom viver civilizadamente.

sábado, 1 de agosto de 2015

Vitrais

Filho, você já terá visto, certamente, vitrais. Eles são muito comuns em igrejas e são feitos de pedaços coloridos de vidro montados para formar uma figura ou simplesmente um mosaico. São lindos, não são? Mas o que há por trás deles?


Se alguém vivesse só dentro de uma igreja com vitrais, poderia achar que eles representam a realidade e, de alguma forma, se bastam.

Algumas vezes na vida nos encontramos em ambientes fechados, não física, mas ideologicamente: na família, na empresa, nas associações e os vitrais pelos quais eles revelam o mundo são às vezes muito belos: a tradição, os procedimentos, as ideias firmadas.

Os vitrais, filho, por bonitos que sejam, não permitem que você enxergue o que os ilumina por fora. Distorcem as luzes e as imagens de tal forma que tudo parece sempre igual - e por isso parece fazer sentido.

Quando sentir que está entrando em uma linda capela de vitrais, nunca deixe de, todos os dias, olhar o lado de fora, além dos vidros.

Não é o mundo que deve se moldar à janela para ser bom, e sim a janela que deve refletir o mundo para ser honesta.

Como saber, então? Sempre que algo parecer a você colorido, bonito, atraente mas ... imóvel, cuidado: você está em uma sala de vitrais!