À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Ano Novo

Filho, este será seu primeiro Ano Novo. Existiram e ainda existem em nosso mundo muitos calendários. Em todos eles é marcada a contagem dos anos. E em todas as tradições que os usam há festas específicas para celebrar as transições. Por quê?


Há basicamente três tipos de calendários: os solares (como o gregoriano e o persa), os lunares (como o islâmico) e os lunissolares (como o judaico e o chinês). Todos eles, portanto, se baseiam nos movimentos relativos dos astros. Nos calendários solares e lunissolares, o ano é marcado por uma volta completa da Terra em torno do Sol. Se é apenas um fenômeno astronômico recorrente, por que tanta festa no Ano Novo?

Guarde o que vou te dizer como regra geral: nunca analise os comportamentos humanos reduzindo-os à sua fundamentação física, histórica ou orgânica. No complexo da alma humana, há meandros que escapam ao objetivo-racional, tal como disse o grande matemático Pascal no século XVII: "O coração tem razões que a própria razão desconhece". O Ano Novo não seria uma exceção.

As pessoas têm a tendência de, com a rotina, se deixarem absorver pelas tarefas cotidianas, matando, silenciosamente, sua capacidade de inovação, sua criatividade, mesmo sua esperança e vontade de viver. É preciso criar marcos que nos lembrem da necessidade de renovação.

Isso é especialmente verdade quando um novo ano se inicia: é como se tivéssemos a chance de fazer diferente aquilo de que nos arrependemos ou no que nos omitimos. Há ainda um agravante: mais velhos e com mais experiência, nos damos menos chance de errar de novo.

Aproveite, portanto, meu filho, essa vontade, essa tendência de reavaliação, de renovação, de reflexão, que está "no ar" nessa época e deixe nascer, no silêncio do recolhimento útil, em sua disposição íntima, também um Ano Novo. Se puder, depois, faça isso todo mês, toda semana, todo dia. Quanto mais se reinventar, melhor você será, mais feliz, mais realizado.

Feliz Ano Novo, meu amor.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Rota de escape

Filho, 500 anos antes de Cristo o general e filósofo chinês Sun Tzu escreveu em sua obra A arte da guerra o seguinte: "A um inimigo cercado deve-se deixar uma via de escape". O que isso significa?



Por que um general daria uma recomendação assim? Não é estranho que não quisesse arruinar e aniquilar o inimigo? Pense. Com essa estratégia, ele, ao mesmo tempo:
  • Evitava mortes no seu exército, porque quem não tem outra opção, a saída é lutar até a morte.
  • Não retirava uma vida humana podendo poupá-la, angariando simpatia pela fama de honradez.
  • O inimigo que fugiu faria propaganda da derrota e da sua clemência, se tornando talvez seu maior divulgador, mesmo sem querer.

Uma vitória imediata se transforma, assim, numa conquista prolongada, mais efetiva, mais humana, mais digna. Se não pelo bem, pelo menos por inteligência o conselho deveria ser seguido.

Obviamente o antigo filósofo se referia às guerras corporais, físicas, de seu tempo, mas esse ensinamento serve também para todos os embates saudáveis, no campo das ideias e dos argumentos, que ocorrem na vida. É o que eu chamo de ética do debate. Siga, também, essa recomendação:
  • Não humilhe seu adversário. A raiva que você depositar sobre ele, massacrando-o além do necessário, só terá por consequência fazê-lo se voltar contra você como única opção.
  • Não leve a discussão além do limite da utilidade do assunto. O foco precisa ser na ideia e não na pessoa. O assunto esgotou? Encerre a discussão.
  • Se vir que está errado, use a saída, reconhecendo o erro com dignidade e fazendo o possível para superá-lo. Há muito mais erro em manter-se errado sabendo-se errado do que admitir-se errado para estar certo no futuro.
  • Observe o jogo de xadrez. O jogo termina quando o rei adversário fica sem saída. Mas ele não é retirado do tabuleiro como as outras peças. Mesmo que vença um embate, preserve a dignidade do rei.

As vozes dos sábios antigos nos trazem ensinamentos até hoje. Mas é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Natal

Meu filho, acredita-se que Jesus possivelmente nasceu em abril, durante a primavera no hemisfério norte, pelas narrativas contidas nos evangelhos (por exemplo: pastores vigiando seu rebanho à noite, o que seria impossível na região de Belém no inverno). Por que então, desde o século IV, comemora-se essa data no dia 25 de dezembro? Qual o seu significado real?


Por volta de 22 de dezembro, o Sol está em seu ponto mais afastado do hemisfério norte - é o solstício de inverno. Para pedir que o calor do Sol voltasse e ele não se distanciasse mais, os pagãos criaram o festival do Sol Invicto, mais ou menos nessa época (25 de dezembro). Era uma festa muitíssimo popular quando a igreja cristã nascente ainda tentava se estabelecer (normalmente pela força) com Constantino no antigo Império Romano. Para que não houvesse muita rejeição à nova religião oficial, institucionalizou-se que Jesus teria nascido exatamente nessa data, sendo ele identificado logo com o deus-sol,  que regia as festividades.

Por incrível que pareça, será nas celebrações pagãs originais, em seu sentido simbólico, que encontraremos oculta a essência do Natal - muito mais do que em presentes comerciais, Papai Noel ou comilanças de toda sorte. E isso independente de ser cristão ou não, ser religioso ou não, acreditar na figura humana ou mística do Cristo ou não.

Instituímos que uma vez por ano nos lembramos, quando o "frio" está em seu auge, que precisamos nos lembrar do "Sol". Absorvidos pelas necessidades da vida cotidiana, nosso foco normalmente se concentra mais na sobrevivência do que na transcendência, no sentido da melhora íntima, integral, racional e emocional. É preciso, portanto, que nos imponhamos marcos, despertadores constantes, que nos forcem a quebrar o ritmo descendente da rotina implosiva e nos arranquem da visão hipnótica de volta à nossa trajetória para o alto de nós mesmos. Esse momento é o Sol Invicto - o brilho que adormece em nosso íntimo, mas que jamais é vencido; que se afasta, mas retorna; que precisa ser relembrado, cultuado, redespertado, para que nos lembremos que somos humanos.

Não foi justamente essa a missão histórica de Jesus? O que ele fez por um povo degradado em si próprio, esquecido dos próprios valores, nós podemos fazer por nós. Para isso, comemoramos o Natal, o Sol Invicto que deve continuar a resplandecer em nós.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Empreender

Meu filho, a diversidade das características advinda da variabilidade genética é o que permite a adaptação e, por consequência, a sobrevivência das espécies. No caso do ser humano, as aptidões intelectuais, emocionais e sociais deveriam fazer esse papel, mas têm sido sufocadas pela padronização imposta pela burocracia e pelas empresas, em modelos ultrapassados. Quebrando essa lógica perversa e imobilizante, existem os empreendedores. É preciso conhecê-los, valorizá-los e, quem sabe, integrar suas lides.


Mesmo o mais ignorante, preguiçoso e egoísta ser humano tem ao menos uma boa ideia na vida. Mas nem por isso se torna um empreendedor. Nos locais mais inóspitos igualmente nascem plantas, mas nem por isso elas se tornam gérmens de florestas ou ecossistemas.

Mas se você sentir o chamado para a inovação útil, para a contribuição personalíssima sua para o mundo através do empreendedorismo responsável, considere esses passos:
  • Anote sua ideia. Mantenha silêncio sobre ela com os outros.
  • Pegue um bloquinho (ou algo similar, que você possa carregar e anotar rapidamente) e batize-o como a incubadora da sua ideia. Tudo relacionado a ela que vier à sua mente ao longo de alguns dias deve ir para ele. É a incubação.
  • Quando sentir que pouca coisa nova está sendo acrescentada, é hora de ela metamorfosear. Transforme a ideia em um conceito. O conceito é algo que tem a ver com alguma necessidade individual ou coletiva. Para quem? Quando? Por quê? E se não? são perguntas que precisam ser pensadas na conceituação. Evite materializar o conceito por hora.
  • Quando as perguntas estiverem esgotadas de respostas novas, é hora de metamorfosear de novo. O conceito deverá se transformar num protótipo. O protótipo é um ambiente de teste controlado para submeter o conceito à prova. É hora de aplicar o conceito em poucas pessoas de sua confiança, mas sem falar que é um conceito de algo novo. Aplique sem explicar muito. Veja o resultado. Revisite o conceito se necessário.
  • Quando o protótipo estiver suficientemente maduro, é hora da última metamorfose: de protótipo a produto. Nessa fase, você estará frente às necessidades empresariais: divulgação, financiamento, logística, fluxo de caixa, empregados, o que for necessário. É bom procurar ajuda especializada de algum órgão com experiência. Comece.

Não seja apressado. Não deixe-se levar pela empolgação. Empreender é planejar, testar e agir. Pular etapas só fará com que você perca o seu tempo.

Por fim, lembre-se: empreender é cuidar do jardim do mundo das ideias, disciplinar o adubo do mundo dos sentimentos e deixar crescer com a força do mundo das ações. A união dessas três potências transforma ideias em realizações, desde pequenas a grandes. Para esse processo vale a frase de Walt Disney: "If you can dream it, you can do it" ("Se você pode sonhar com algo, você pode fazer").

sábado, 19 de dezembro de 2015

Os cegos, o elefante e a verdade

Meu filho, o que é a verdade? Abaixo reproduzo um conto hindu para te fazer refletir:


Numa cidade da Índia viviam seis sábios cegos.
Certo dia, chegou à cidade um comerciante montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao encontro dele.

O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou: 'Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem; parecem paredes…'
- 'Que bobagem!' – disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. – 'Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra…'
- 'Ambos se enganam' – esbravejou o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. – 'Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia…'

- 'Vocês estão totalmente alucinados!' – gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. – 'Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante…'
- 'Todos vocês, mas todos mesmos, estão completamente errados!' – irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. – 'Este animal é como uma rocha com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele.'
E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o comerciante, ouvindo a discussão, decidiu interferir. Pediu-lhes que dessem uma volta ao redor do elefante, tateando-o.
Quando todos tatearam os contornos do animal, envergonhados, perceberam que todos eles, os sábios, estavam certos e enganados ao mesmo tempo.
Então o comerciante, que não era sábio, mas podia ver, disse:
- 'É assim que os homens se comportam perante a verdade. Pegam apenas numa parte, pensam que é o todo, e continuam tolos!
'”

Cuidado, meu filho, quando achar que detém a verdade! Nossos sentidos são muito obtusos. Todo radicalismo de manter nossa posição parcial, agarrados ao cadinho ilusório de verdade, só atrasa nosso progresso. Questione-se sempre, adie o julgamento. Se alguém te surpreender com uma verdade diferente da sua, agradeça ao invés de se aborrecer. Ele está te fazendo "dar a volta no elefante".

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Humildade

Filho, as tradições religiosas, de uma forma ou de outra, ensinam que o homem é fruto da terra. Naturalmente é uma visão metafórica, mas serve como ilustração dessa ligação íntima que nos fala muito sobre nossa origem, nossa vida e nosso destino. Pensemos junto.


Veja como a história da origem de nossa língua nos traz um conhecimento importante:
  • A palavra humildade vem do latim humilitas, derivada de humus, que significa "terra".
  • A palavra homem vem do latim homo.
  • Mas a palavra humano vem de humanus, que é a junção de homo e humus. 

Etimologicamente - veja que interessante - vemos que para que o homem (ser biológico) seja de fato humano (ser integral), ele precisa estar ligado à terra, precisa ter humildade.

A mitologia grega também nos traz a mesma lição na forma de uma história: Anteu era um gigante, filho do deus Poseidon e de Gaia. Derrotava todos os seus inimigos após convocá-los para lutas corporais. Hércules, entretanto, descobriu que, sendo filho de Gaia, sua força vinha da terra e o derrotou não lançando-o ao chão, mas levantando-o no ar até que ele morresse desfalecido.

A "terra" é mais do que a terra física, simboliza nossa origem, mostra nossa conexão como espécie, estabelece nossos limites, nos faz vislumbrar nosso destino. Nossa "terra" são nossas raízes mais profundas, que nos alimentam, que nos sustentam. Saber disso é ser humilde. Por isso, filho, reflita:
  • Homem você será até morrer. Ser humano é escolha sua.
  • Seu corpo veio da terra e retornará a ela. Sua oportunidade de ser algo além dele está na relação que você estabelecerá com a "terra" em torno dos seus pés.
  • Você é bípede, significa que deve ter apenas os pés no chão para que as mãos fiquem livres para o trabalho, o coração livre para o caminho à frente e a cabeça livre para o "céu" acima.
  • Sempre que alguém levantá-lo além do que você pode alcançar por si só, cuidado - você poderá se desconectar de sua fonte de força - sua humildade.

Menos simbolicamente, sempre que sentir-se desconectado de si próprio, sempre que, em sua vida, estiver a questionar a si mesmo, isole-se e finque seus pés na terra ou na areia. Pense lá um pouco, com humildade. A conexão física às vezes é um bom veículo da conexão do sentimento e da razão.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Presente

Filho, é comum em nossa sociedade o ato de comprar algo para os outros em datas especiais: é o "presente". Gostaria de refletir com você sobre esse assunto porque há sobre isso o risco de banalização e de efeito invertido.


O nome "presente" foi inventado para que alguma lembrança fosse enviada por alguém que não pudesse ir pessoalmente a um evento. Era como se através do objeto ofertado, a pessoa ausente "se fizesse presente", daí o nome "presente". Ao longo do tempo, por interesses variados (principalmente comerciais), tornou-se necessário, mesmo quando se "está presente" também "dar presente", ou seja, de acordo com a acepção original, ir e, ao mesmo tempo, se fazer representar, como se fosse possível.

Não estou condenando o ato de comprar um item e ofertá-lo a outra pessoa, por uma ocasião como aniversário ou Natal. Mas existem formas e formas de fazê-lo. É importante, qualquer que seja ela, cobri-la de significado genuíno. Por isso compartilho alguns pensamentos contigo:
  • O melhor presente é estar presente. Se a ocasião é importante, esforce-se por estar lá.
  • Comprar um presente pode ser um ato automático ou pensado. No final das contas, comprar uma coisa qualquer, genérica, para não dizer que não levou nada, soará como falta de importância. Às vezes é mais honesto não levar nada.
  • Prefira presentes simples e originais, com características que tenham a ver com a pessoa presenteada ou com alguma situação que tenham vivido juntos.
  • Considere montar seu próprio presente. Não há demonstração de maior apreço do que oferecer algo feito com suas próprias mãos.
  • Se não levar presente, seja por que razão for, escreva um cartão.

Tudo o que você der de material para os outros um dia acabará, por melhor que seja. Seu maior presente precisa ser você próprio: sua atenção, seu carinho, a importância que você dá. Pode ou não vir com a casca de um objeto físico, mas ela é menos importante. Com presente ou sem presente, esteja presente para quem você se importa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Cansaço

Filho, você por vezes se sentirá muito cansado. É preciso ter cuidado com essa sensação porque ela pode esconder problemas mais graves. É sobre isso que quero te alertar.


Se estiver cansado:
  • Tome um banho. Se não for possível, jogue água na nuca, troque as meias ou as vire do avesso. A sensação de frescor costuma enganar o cansaço e te dar uma sobrevida às vezes vital.
  • Se estiver dirigindo, pare onde estiver, no local mais seguro que conseguir. Durma 20 minutos. Lave o rosto ao acordar.
  • Adie decisões. Se não puder, gaste mais tempo para revê-las. Os detalhes ficam invisíveis frente ao olhar exausto.
  • Fale pouco e tenha uma dose extra de vigia com as palavras. Seu guardião social íntimo, chamado por Freud de "superego", costuma se cansar antes de você.
  • Se puder, tire alguns minutos e olhe o mar - pelo menos uma foto do mar.
  • Fique atento aos sinais do seu corpo. Taquicardia e desconcentração são tons emergenciais. Pare e durma. Não tente ir além.
  • Se o cansaço for constante, reduza suas atividades. Mesmo.
  • Se não houver causa racional, procure um médico. O metabolismo pode estar alterado por uma causa nervosa ou hormonal e é preciso reequilibrar-se.

Nosso organismo é nosso aliado. Não batalhe contra ele. O cansaço é um alerta para o descanso. Respeite seu corpo para que ele respeite você.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Pequenos delitos

Meu filho, na década de 1990, o então prefeito da cidade de Nova Iorque, nos EUA, implantou o que chamou de "tolerância zero" com os criminosos. Passou a punir com o rigor da lei as pequenas contravenções e a taxa de criminalidade (incluindo crimes graves) na cidade caiu drasticamente. Que relação existe entre esses "pequenos delitos" e os grandes crimes?


A transgressão à lei pode acontecer por diversos motivos. Alguns nobres, a maior parte não.

A desobediência civil é um ato consciente de desobediência a uma lei injusta que tem por finalidade pressionar por mudanças na situação social de um povo. Foi utilizada por Gandhi para libertar a Índia, de forma pacífica, da Inglaterra. Ela tem algumas características que a distinguem facilmente:
  • O benefício não é pessoal, mas coletivo.
  • Os motivos são claramente expostos, de forma transparente.
  • Há aceitação silenciosa das punições decorrentes do desvio.

Com seres mais primitivos, os delitos têm características opostas: benefício pessoal e fuga das consequências. O que se descobriu é que o mesmo malandro que hoje anda pelo acostamento, frauda o imposto de renda, bebe e dirige, tenta subornar ou se deixa subornar, é o que amanhã terá maior chance de desviar dinheiro público, de violentar ou até matar alguém.

Não significa que não haja apenas os espertinhos que querem se dar bem nas pequenas coisas mas não serão jamais bandidos grandes. Claro que existem. Mas o contrário, aparentemente, não é verdade. A maior parte dos bandidos começa "por baixo", cometendo pequenos atos infracionais. A ideia é que, combatendo na base, você inibe o malandro e corta as asas do futuro bandido. Funcionou.

O que isso tem a ver com você? Tudo. Todos nós trazemos pendores bons e maus. A infância é a época de valorizar os bons e corrigir os maus. E eles aparecem na forma sutil de coisas normalmente tidas como "normais" - os "pequenos delitos".

Como seu pai, eu estarei atento aos sinais, porque sei que é no brinquedo que a criança traz na mochila e que não é dela, é na mentira que ela conta sobre não ter tido aula, é no maltrato para com o coleguinha, que residem os gérmens  dos desvios de caráter que ela pode apresentar no futuro, quando será tarde demais para corrigi-los por completo.

Você também deve estar atento, meu filho, com seus amigos. Ser amigo não é rir de pequenos delitos - é avisar com carinho para ajudar, você também, a não proliferar uma sociedade corrupta, que tanto mal faz a nossa humanidade.

E se algum dia você surpreender seu pai em um ato, mesmo pequeno, errado, fale. Fale com amor, sem tom acusatório, mas mostre, não se cale. Seu pai também erra. Nos ajudando construiremos um mundo melhor.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Mágica

Meu filho, você certamente já terá visto shows de mágica em algum circo ou parque. Saiba que eles nos ensinam muitas coisas para a vida.


O ambiente místico, as roupas chamativas, as feições sérias são a preparação mais comum para esses espetáculos, antes mesmo que os truques comecem. Para que servem? Para quebrar a resistência cerebral que temos ao impossível, para relaxar as guardas lógicas de nossa mente e passarmos, por aquele momento único, a admitir com naturalidade o que é inimaginável. Com isso, a probabilidade de os presentes descobrirem o truque cai drasticamente.

Entra, então, o grande mágico! Fixa bastante o público com o olhar, fala coisas sem importância e gesticula bastante. Sua roupa também é muito chamativa. Para quê? Atrair a atenção do observador para o ponto que ele quer, desviando-a dos locais onde ocorrem as ilusões. Você entende aqui por que é tão difícil fazer mágica para crianças: elas não têm um modelo mental previsível, ou seja, fixam o olhar no que lhes convém e são menos influenciáveis no campo racional.

Na vida, filho, estarão tentando "fazer mágica" com você o tempo todo. As razões são as mais variadas, mas normalmente são escusas. Por isso, esteja atento:

  • Um "palco" chamativo demais normalmente esconde embaixo da mesa um truque.
  • Nunca deixe só o "mágico" conduzir o tempo todo. Refaça sua linha de raciocínio e comande um pouco as discussões para evitar ser distraído.
  • Discursos prontos, rápidos e encadeados são feitos para evitar questionamentos.
  • Não olhe para todos os gestos, não emita opinião sobre todas as discussões, não ria de todas as piadas. Não se permita criar empatia sem regulação. O silêncio é seu aliado.
  • Se estiver desconfiado de algo, faça algumas perguntas abertas e outras fechadas em sequência para evitar que seu modelo mental seja facilmente conhecido.
  • Se a dúvida persistir, não decida. Durma e decida no dia seguinte.
  • O fato de o impossível ser questionado de vez em quando não significa que você não deva abandonar seus parâmetros do que é razoável. Nunca. Acreditar em tudo é tão ruim quanto não acreditar em nada.

Não seja apenas mais um espectador da mágica alheia. A mágica verdadeira da vida quem deve fazer é você. E sempre para o bem.

sábado, 28 de novembro de 2015

Eu ME proíbo

Filho, há algum tempo eu escrevi uma mensagem para você intitulada "Eu te proíbo". Agora é a minha vez.


Eu ME proíbo:
  • De não te ouvir, mesmo que não concorde com você;
  • De gritar com você, mas prometo ser firme e duro, se necessário;
  • De usar qualquer tipo de violência com você;
  • De não respeitar sua individualidade, a menos que te coloque em risco;
  • De interferir em suas escolhas amorosas, a menos que elas te coloquem em risco;
  • De menosprezar seus problemas e suas conquistas só porque eu já passei por eles;
  • De deixar você fazer sempre o que quiser por preguiça de te educar;
  • De perder a paciência com você, por mais que você se esforce para isso;
  • De deixar com que o trabalho roube minha qualidade de presença junto a você;
  • De querer que você cresça rápido demais;
  • De te ver como um bebê, quando você precisar crescer;
  • De não te ver como meu bebê, quando precisar do meu colo, seja com que idade for;
  • De não te dar a mão quando você precisar;
  • De te oferecer a mão quando você não precisar; 
  • De não te segurar quando você cair;
  • De te segurar quando você precisar ir;
  • De ser apenas seu pai quando deveria ser seu mestre; de ser apenas seu amigo quando deveria ser seu pai; de estar ausente quando deveria ser seu amigo.

A paternidade, filho, é também uma dança: preciso e vou deixar com que você se movimente, embora esteja te acompanhando os passos a todo momento.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

"Father and son" - "Pai e filho" (Cat Stevens)

Filho, ontem eu ouvi novamente essa música de 1970 de Cat Stevens, e lembrei de você. Quando cheguei em casa, coloquei você no meu colo e a cantei para você duas vezes, com lágrimas nos olhos. Ela fala sobre conflito de gerações, sobre equilíbrio, sobre rompimento. Preciso que entenda por que a selecionei. Primeiro, vamos à música:

Tradução retirada do site LETRAS.MUS.BR: http://letras.mus.br/cat-stevens/38427/traducao.html

Filho, você terá muitas vezes a sensação de que é hora de se libertar mais fortemente de seus pais, seja querendo sair de casa, seja querendo viver um tempo longe, seja agindo sem a "proteção" paterna, seja tomando uma decisão divergente da minha opinião. É esperado que você aja assim - se os jovens não decretassem, em algum momento, sua própria liberdade existencial, jamais teríamos saído das cavernas e o mundo não teria progredido.

Mas há um problema: se você fizer isso antes do tempo, se machucará praticamente sem proveito de aprendizado; se deixar passar o tempo certo, sofrerá e voltar será mais difícil. Existe uma hora ideal para que o "cordão umbilical" seja afrouxado ou cortado. E não - não existe fórmula. É preciso descobrir a sua.

Na música, pai e filho são estereotipados: o pai se posiciona sempre contra a mudança e a favor da continuidade e o filho sempre a favor do rompimento. Quem está certo? Provavelmente a verdade está no meio do caminho entre eles.

Destaco uma frase dita pelo filho: "Mas são eles que sabem, não eu". A experiência dos outros, por mais que te amem, é deles. É preciso que você tenha as suas, nem que seja a custa de sofrimento e fracasso. Mas isso não pode ser feito a todo custo: não pode comprometer sua saúde, sua segurança, sua vida ou sua sanidade mental. Se estiver nesse ponto, eu irei intervir, mesmo que você não goste. Senão, por mais que me doa o coração, em prol de seu desenvolvimento, deixarei você experimentar.

Não crio você para mim, meu filho; crio você para você, para que você seja um ser humano bom, realizado, seguro e independente. Sei que, em algum momento, "quando houver uma maneira, você terá que ir". Seu pai estará com a mente tranquila, com o coração inquieto, com os olhos marejados, com as mãos abertas, e olhando e torcendo por você.

OBS: Hoje, a música (com a letra) está disponível no endereço: https://youtu.be/GxWFP6v3vQs. Caso isso seja velho demais quando você ler esta mensagem, procure onde for por "Father and Son" + "Cat Stevens" - a Internet pode ficar velha, essa música dificilmente.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Terrorismo

Meu filho, toda vez que há a imposição do medo, da violência física ou psicológica, como arma de luta política, diz-se que há terrorismo. Por que ainda convivemos com ações desse tipo? É possível atribuir-lhes alguma causa? O que podemos fazer para contribuir para sua extinção?


Já te disse: não existe ação injustificada. Não significa que ela seja justa, boa, verdadeira ou lógica. Apenas que tem algum sentido, por mais torto que seja, para quem faz. O cérebro humano rejeita situações com ausência de causa/efeito, mesmo que sejam ilusórias. Significa dizer que para todo ato de terrorismo existe uma linha causal. Primeiro conselho: na sua análise, siga essa linha, por mais repugnante que lhe pareça. É a melhor chance que você terá para começar a entender a cabeça de quem se dispõe a cometer essas atrocidades.

O mundo tem sofrido recentemente com vários desses atos terroristas, em especial envolvendo ataques suicidas. Em 2001, o conhecido 11 de setembro em que aviões foram jogados contra as torres gêmeas de Nova Iorque; agora, em 2015, uma série de ataques de homens-bomba em vários lugares na África, no Oriente Médio e na Europa. Mas o que eles têm em comum?

O que é solo fértil para o desenvolvimento do pensamento terrorista? Existem basicamente 4 pilares:
  • A opressão humilhante: em especial os povos do Oriente Médio e da África têm sido submetidos, na História, a situações degradantes de vida, ora por seus próprios dirigentes, ora por financiamento do Ocidente com vistas à exploração de seus recursos naturais e mão-de-obra barata. Essa situação continuada gera a massa ideal para a revolta.
  • A ignorância profunda: normalmente sustentada pelo interesse escuso, que impede a população de analisar as situações e propor soluções que passam por depor os políticos opressores.
  • O radicalismo ideológico: a má interpretação religiosa ou social leva à radicalização das posições, fazendo crer viável um caminho torto e uma lógica deturpada.
  • A liderança mal-intencionada: é a faísca do processo. Aproveitando-se de uma combinação dos itens acima, um ser mal-intencionado ou louco lidera a população para a prática do terrorismo.

É importante ter cuidado ao julgar. Não existe vítima sem algoz, mas o algoz de hoje pode ter sido a vítima de ontem. Matar sua família de fome por ganância de exploração de seu país também não é uma forma de terrorismo? Financiar governos corruptos e ditatoriais que massacram a própria população em troca de dinheiro não é uma forma de terrorismo? Todas as grandes potências de hoje fizeram isso não há muito tempo com alguns dos países de onde estão saindo os homens-bomba. Não haveria aí uma relação de causa e efeito - que não justifica, mas explica, em parte, o terrorismo?

O terrosismo, filho, só se torna opção quando a própria vida perde o seu valor. É uma situação extrema e degradante. Combater o terrorismo, então, é:
  • Impedir que ele ocorra, com o uso da força, se necessário. Isso combate a consequência. Isso normalmente é feito. O simplismo e o interesse também alimentam a indústria da guerra.
  • Remediar as causas, algumas profundas, para cortar-lhe a raiz e esterilizar-lhe o solo. Isso normalmente é esquecido. Dá mais trabalho, mas é o único caminho duradouro.

Não seja mais um a analisar essas delicadas situações de forma superficial. Faça diferente. A construção de um mundo melhor não é apenas trabalho de apagar incêndio (ele tem que ser apagado): passa pela ação educativa, humana, de longo prazo. O terrorismo até pode ser sufocado temporariamente pela ação da força, mas só desaparecerá quando houver espaço para a verdadeira fraternidade.

domingo, 15 de novembro de 2015

Métrica poética

Meu filho, a poesia é uma arte de rara beleza. Alguns grandes poetas optaram por escrever suas obras usando uma técnica chamada de métrica poética: uma forma especial de contagem silábica que transmite a sensação de harmonia a quem ouve. Mas o que isso tem a ver com a vida?

Abaixo deixo um lindo poema de Olavo Bilac, o maior representante do Parnasianismo no Brasil, intitulado "Ouvir estrelas", com métrica rígida e versos hendecassílabos (com 11 sílabas poéticas, que são diferentes das sílabas contadas normalmente).


Quem faz os versos se preocupa com quem ouve, não com quem lê - esse é o segredo! Assim, por exemplo, a última sílaba do verso é desconsiderada e tudo o que se lê junto é contado como uma sílaba só. Isso se pode chamar orientação ao resultado, já que a poesia é para ser recitada e ouvida e precisa ser agradável ao ouvido e não necessariamente aos olhos.

Por vezes, filho, faz-se na vida o oposto:
  • Não se conhece o cliente final do trabalho e nem se sabe o que é importante a ele. Então, no afã por executar, na pressa por fazer, esquece-se de observar, planejar, entender. O resultado? Um poema sem métrica quando a ideia era tê-la.
  • Por medir-se errado, o produto é desagradável. Saber o que medir e como medir é essencial para atingir um objetivo lúcido.
  • Não se une coisas similares e contíguas por simplicidade, duplicando trabalho desnecessariamente. Com isso, cria-se a interrupção do processo apenas para satisfazer o processo, com perda ao resultado final. "E - eu - vos - di - rei: 'A - mai - pa - ren - ten - dê'" é como se "lê" poeticamente o primeiro verso da última estrofe. "Piramidando" ideias existentes surgirão outras novas, mais eficientes, mais coerentes, mais envolventes.
  • Gasta-se esforço e tempo nas "últimas sílabas" das coisas, que nem tônicas são. Pior ainda: se as contarmos, estamos piorando o nosso resultado. O mesmo verso acima ilustra também este ponto. Não perca o seu tempo com discussões inúteis ou de aplicação duvidosa.

Aprenda com os poetas, meu filho. Se quiser que o poema do seu trabalho seja agradável e útil, é necessário encará-lo como uma poesia parnasiana, com conteúdo, rimas ricas e métrica correta.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Mulheres

Filho, você nasceu homem. O que isso significa? Vejamos.


Homens e mulheres são diferentes em muitos aspectos além dos óbvios anatômicos. Seja por força biológica, seja pela estrutura social vigente, a psique apresenta peculiaridades consideráveis. Não veja nisso qualquer julgamento de valor, apenas uma riquíssima diversidade de modelos mentais que pode ter sido (e continuar sendo) vital para a sobrevivência da nossa espécie.

O grande problema é que, pela maior força física da constituição masculina em uma sociedade bárbara, sempre se atribuiu à mulher um papel subjugado na ordem social, a ponto de se discutir, na igreja do século VI, se ela era humana, ou seja, se tinha ou não tinha alma. A cultura machista tem negado à mulher direitos que precisaram ser conquistados por elas à custa de muita luta, sofrimento e perseverança: o direito à educação, ao voto, à igualdade nas relações de trabalho, etc.

Você dirá que é parte da História. Mais ou menos, infelizmente. Ainda hoje (espero que bem menos ou nada na época em que você estiver lendo esta mensagem) as mulheres ainda não conquistaram socialmente igualdade de oportunidades em relação aos homens e - pasme - ainda há homens que acham que isso é errado ou exagerado.

E não para por aí: elas ainda têm que reivindicar coisas muito mais básicas: liberdade e respeito. Liberdade para usarem a roupa que quiserem sem precisarem se proteger de assédios de homens que ainda as tomam por objeto; respeito em relação a seu corpo, a suas ideias, a seus direitos.

Ainda parece longo o caminho, não é, filho? Como homem, você pode ajudar! Além de sua obrigação básica de tratar com respeito, também você deve exigir esse respeito dos outros. Algumas dicas:
  • Use humor, inteligência e delicadeza na abordagem às mulheres, seja por que motivo for (amizade, namoro, etc). Mas "não" é não. Ponto;
  • O corpo da mulher é dela, não é seu nem de outra pessoa qualquer. Nem por um minuto. Ponto;
  • Se as mulheres quiserem caminhar nuas na rua, é problema delas. Isso não dá a nenhum homem o direito de desrespeitá-las;
  • Brincar com as diferenças naturais entre homens e mulheres pode ser saudável, engraçado e socializador entre amigos/amigas, mas cuidado: não faça e não admita piadas de mal gosto com as mulheres. Se fosse você, gostaria de ouvir? Veja a cara delas para saber se está agradando ou não. Não está? Pare e peça desculpas;
  • Ter cuidado e reconhecimento das lutas das mulheres e da situação social ainda hostil a elas não é tratá-las como bibelôs. Isso só reforça o preconceito. Sem exageros.

Mais importante que todas essas posturas exteriores é sua posição interior - aquela que ninguém vê. Esteja certo de que, quando de frente a uma mulher, você está falando com um ser humano tão capaz quanto você, tão importante quanto você, tão inteligente quanto você, tão complexo quanto você.

Por fim, lembre-se o que o presidente estadunidense Abraham Lincoln disse certa vez: “A mão que balança o berço é a mão que governa o mundo”.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Resignação

Filho, se resignar é se conformar com alguma situação. Mas existem muitas formas diferentes de fazer isso: umas úteis, outras inúteis. Vamos falar sobre elas?

Selecionei esta imagem de um café na Inglaterra que usa um ditado comum naquele país como propaganda e que tem tudo a ver com o que vamos conversar: "Me dê café para mudar as coisas que eu posso & vinho para aceitar as coisas que eu não posso. Nós servimos os dois".

  • Ouça as experiências dos outros, mas não se prenda a elas. O impossível só é impossível porque ninguém conseguiu fazer ... ainda.
  • Na dúvida se alguma coisa desagradável é impossível de mudar, tente. Mas tenha a sabedoria de não investir nela todas as suas energias e seu tempo.
  • Com a vivência, você conhecerá o seu limite real de ação. Direcione vontade e ação para o que, agora, pode e vale a pena ser mudado.
  • Frente ao que não pode ser alterado, mobilize essas duas forças: a aceitação, que é o consentimento da razão e a resignação, que é o consentimento do coração. De mãos dadas, elas levarão você ao aprendizado verdadeiro. Mas, atenção, essas potências só entram depois da saída da rebeldia inútil.

Só há uma coisa com a qual você não pode se resignar: com a própria resignação. Questione de vez em quando aquilo que você mesmo rotulou de imodificável e tente novamente, dessa vez com mais conhecimento de causa e equilíbrio interior. Quem sabe a hora do impossível não passou?

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Racismo

Meu filho, surpreendentemente ainda hoje, existe no mundo resquício de um pensamento muito antiquado, absurdo e vergonhoso que diz que algumas etnias (antigamente chamadas "raças") são naturalmente superiores (mais inteligentes, mais capazes e até mais honestas) a outras. Isso é o racismo, que, felizmente, já é considerado crime.


No século XV, com as viagens marítimas portuguesas e espanholas, os europeus tomaram contato com duas etnias até então praticamente desconhecidas: os índios e os negros. Adivinhe: eles ficaram felizes e resolveram entender e se inteirar de sua riqueza cultural ... ou ... tentaram dar uma roupagem às atrocidades que cometeram com eles criando teorias absurdas? Ah, essa foi fácil... Acertou: com os índios, para justificar a destruição cultural e a matança generalizada que promoveram em busca de riquezas nas Américas e com os negros para justificar o tráfico negreiro de escravos, disseram que eles não tinham alma! Problema resolvido: se não têm alma, não são seres humanos! Por isso usaram (e alguns de nós ainda repetimos, muito erradamente) o termo "descobrimento" para o Brasil: não havia "humanos" aqui, era "despovoado", logo foi "descoberto" e não invadido!

Foi no século XIX que voltaram ao tema, tentando dar a ele um ar científico. Diziam que as diferenças de cor da pele e da morfologia da face determinariam uma série de características (e limitações) dos indivíduos. Até meados do século XX havia estudos que dividiam o ser humano em 4 "raças": negra africana, negra australiana, amarela e branca. Depois do nazismo e de suas iniquidades contra os judeus alegando superioridade da "raça ariana", o conceito de raça ficou enfraquecido. O golpe de misericórdia foi dado pela Genética, que demonstrou que não existe fundamento científico (genético) algum em qualquer separação entre seres humanos e que há apenas uma raça: a humana. Todo o resto é etnia, um conceito mais social do que físico.

E então? Por que ainda hoje existem indivíduos - e até organizações - que insistem em permanecer cinco séculos atrasados no pensamento? Diante de tantas evidências científicas, já inquestionáveis, diante de tantas campanhas, diante de tanta informação, poderiam alegar ignorância? Certamente não. A única resposta possível: má fé: reeditando os absurdos do século XV para justificar a manutenção de privilégios, o roubo e a desumanidade com que são tratados muitos povos no planeta.

É seu dever ser intransigente com qualquer forma de racismo. Os seres humanos, filho, se diferenciam por suas atitudes, por seus valores, por seu esforço, por sua educação, por sua vontade e perseverança em fazer o bem. Se existe uma "cor" que deve contar é a que está dentro da cabeça e do coração e não na pele.

sábado, 7 de novembro de 2015

Modelos mentais

Filho, uma das coisas mais interessantes sobre o ser humano é sua capacidade de criar padrões e imagens. Na quase totalidade das vezes, usa esses padrões formados para raciocinar e até inferir resultados futuros, o que pode ser útil em alguns casos ou perigoso em outros.


Diz-se que quando os portugueses chegaram na invasão do Brasil, em 1500, os índios demoraram alguns dias para enxergarem as caravelas, que estavam ancoradas. Embora seus olhos vissem a imagem, seu cérebro rejeitava a informação porque não tinha comparação com nada que já havia registrado, ou seja, como a realidade extrapolava seus padrões, foi necessário tempo até que a mente aceitasse a novidade. Isso acontece porque desenvolvemos os chamados "modelos mentais".

É claro que isso é muito útil quando precisamos de uma resposta rápida, baseada na experiência, de entendimento ágil e ação imediata. Grande parte das necessidades cotidianas de um ser humano normal depende de um bom modelo mental. Mas há riscos sobre os quais eu preciso te alertar:
  • As pessoas têm modelos mentais (às vezes muito) distintos. Quando detectar uma diferença grande nas experiências ou nas formas de pensar, tenha certeza de que o que você disse foi entendido e que você entendeu o que os outros disseram.
  • A não ser que você esteja lidando com uma formalidade jurídica, importa mais o que as pessoas quiseram dizer do que o que elas disseram. Busque sempre as ideias, o significado por trás das palavras e você terá muito mais chance de sucesso na sua comunicação.
  • Fale sobre algum assunto para uma criança de 10 anos (com modelo mental muito menos contaminado) e peça para ela depois te dizer de volta o que você falou. Se for discrepante demais, sua chance de ser entendido por um público heterogêneo é pequena.
  • Tenha empatia. Procure entender o mundo pelos olhos do outro. Para isso, é preciso que você se dispa do seu modelo e tente pensar com a cabeça alheia. É um exercício, mas é viciante.
  • Os inovadores têm um traço comum: todos eles fogem do modelo mental na hora de inovar. Grandes ideias sempre têm um componente não óbvio em seu desenvolvimento. Ou seja: deixe as paredes do seu modelo mental retráteis e as retraia quando precisar da caixa aberta.
  • O progresso do pensamento depende de seu modelo mental estar aberto à evolução. Lembre-se de sempre questioná-lo. Comece pelo que você acha que é verdade absoluta. Coloque os seus dogmas em cheque o tempo todo, por mais que doa e dê a sensação de falta de chão.

Em suma, tenha coragem de olhar o mundo diferente sempre que for preciso ou por mero exercício. O passado pode guiar, mas do futuro não amarrado por ele também surgem ideias espetaculares.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Buzina

Filho, para evitar acidentes, os carros possuem buzinas. Como normalmente ocorre quando uma ferramenta genérica fica disponível a pessoas incivilizadas, seu uso pode ser desastroso.


Especialmente em cidades grandes, o som da buzina, estridente, espalha-se com facilidade e gera incômodo a todos os que o escutam. Para entender isso em grau extremo, experimente dirigir no Peru ou na Índia e você vai entender por que, hoje, 70% da poluição sonora nesses países provêm das buzinas e como isso tem aumentado o número de pessoas com problemas de audição (e, talvez, de sanidade). Por isso, te peço:
  • Não use a buzina como primeiro alerta. Se puder, antes, pisque o farol ou sinalize com a mão;
  • Tenha em mente que o uso da buzina só se justifica se o benefício for maior que o incômodo;
  • Imagine que toda buzina acorda um bebê, perturba um idoso, agita uma pessoa com deficiência ou distrai alguém muito concentrado;
  • Esteja certo de que quem abusa hoje da buzina, amanhã poderá ser importunado por ela;
  • Seja criativo para locais que usam buzina como forma de alerta desnecessariamente (entradas de prédios, por exemplo, podem ter dispositivos mais inteligentes para chamar o porteiro como sensores, controles remotos, câmeras, espelhos bem colocados, etc.);
  • Se tiver que usar a buzina, aperte-a apenas pelo tempo estritamente necessário, evitando descontar nela raiva pelo episódio, pelo atraso ou pelo mundo.

Nas pequenas atitudes residem os grandes princípios aplicados. Faça, nelas também, pelo exemplo, seu cartão de visitas e sua ponte para uma consciência cívica mais completa. Todos têm a ganhar.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Namoro: a aproximação

Meu filho, namorar é uma parte importante da vida. O relacionamento é uma arma poderosa, como tudo o que mexe com o nosso indomado emocional. Não é bom nem mau em princípio: são as suas atividades, as suas posturas, as suas intenções, a sua atenção que farão dele ou um ato prazeroso e benéfico ou torturante e destruidor. A escolha é sua.


Vou escrever algumas coisas sobre o namoro. Vou dividir para que não fiquem grandes para você. Hoje falaremos da aproximação.

É muito melhor começar certo do que tentar endireitar o que começou torto. O que isso significa? Que quanto mais recheada de espontaneidade for essa primeira abordagem, maior a chance de você conseguir selecionar, desde o início, alguém que combine com você e possa somar na sua vida.

Com base na minha experiência (segundo sua mãe, "vastíssima" ...), eu deixo a você os seguintes conselhos gerais sobre esse approach:
  • O ambiente seleciona as pessoas. A chance de encontrar alguém interessado em arte em um museu é muito maior do que em um bar.
  • Os amigos falam muito sobre os interesses e, às vezes, até sobre os valores das pessoas. Diz o ditado popular: "diga-me com quem andas e te direi quem és", que, em geral, é verdadeiro.
  • Leia coisas interessantes da atualidade e crie suas próprias conclusões. É importante saber um pouco sobre cada assunto, com algum toque pessoal, para engatar uma conversa.
  • "O tipo de isca determina o tipo de peixe", dizem os pescadores. A forma de você se apresentar (fisicamente, intelectualmente, emocionalmente, socialmente) é a referência que está escolhendo usar. Mostrar algo que você não é trará alguém que você não quer.
  • Observe e veja o que o seu segundo impulso vai dizer. O primeiro geralmente é mais visceral, o segundo um pouco (às vezes bem pouco) mais lúcido.
  • Faça-a falar (por meio de perguntas discretas) e interesse-se pelo que ela diz, mas não deixe claro que você está interessado nela. O início da dança precisa ter um componente de dúvida.
  • Por falar em dança, se puder aprenda a dançar alguma coisa. Além de ser divertido, permite uma cumplicidade física que pode se desdobrar para uma outra emocional.
  • Use o humor e a provocação intelectual, mas com moderação. O exagero o rotulará como bobo.
  • Quando encontrar um assunto em comum que faça brilhar os olhos, o prolongue um pouco mais. Será um teste para saber se o interesse comum é genuíno.
  • A linguagem mais importante é a não verbal. Aprenda a ler os sinais sutis do desejo. A falha em lê-los ou a interpretação errada deles pode fazer com que perca oportunidades e, por outro lado, tenha decepções. O corpo fala muito mais do que a boca. Aguce seus sentidos.
  • A surpresa criativa pode ser uma arma mortal. Use, mas não abuse.
  • Nunca se aproveite da fragilidade alheia. Nunca. Ponto.
  • Seja respeitoso. A dança precisa ser gradual. Saiba reconhecer o "não" e se retirar com dignidade, se for o caso, sem mágoas. As pessoas têm o direito de escolher com quem querem conversar, sair, namorar. Em hipótese alguma seja agressivo, nem fisicamente, nem intelectualmente, nem emocionalmente. Em hipótese alguma.

Por fim, nada disso é absoluto - a experiência precisa ser sua. Lance-se na aventura do flerte sadio, da paquera alegre, e você terá muitas histórias boas - ou, pelo menos engraçadas - para contar aos meus netos.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ETs

Filho, a existência ou não de seres extraterrestres sempre povoou a imaginação popular e a ficção científica. Seríamos nós os únicos seres inteligentes do Universo? Se não, esses outros seres teriam a capacidade de vir até nós, já que nós não conseguimos ainda ir até muito longe? Seriam amistosos ou hostis? As perguntas são muitas, as respostas poucas, mas estamos caminhando.


Somos um dos menores planetas de um sistema solar de 9 principais planetas girando em torno do Sol, que é uma entre 100 bilhões de estrelas da Via Láctea, que, por sua vez, é uma das 200 bilhões de galáxias do Universo conhecido, que pode ser um entre muitos universos paralelos. O astrônomo americano Francis Drake estimou que existam, pela probabilidade, hoje, 10 (dez) civilizações capazes de enviar sinais de rádio para nós.

Estou convencido que não é só pela análise estatística, mas também pela lógica: não estamos sozinhos. Se nossos vizinhos já nos conhecem, a chance de serem mais esclarecidos do que nós (ou pelo menos controlados por esses) é grande, já que, até agora, demonstraram muita educação e respeito aos processos de aprendizagem nossos, mesmo que muito lentos, não interferindo ostensivamente em nossas escolhas.

Você verá que há muitos relatos de contatos com esses supostos seres. Dificílimo separar o que pode ser real do que é fantasioso. Há pessoas sérias e outras nem tanto falando sobre o tema. Mas uma coisa é digna de observação: o número desses relatos, em todas as áreas do planeta, em especial vindos de astronautas e aeronautas em princípio sérios, está aumentando.

Também é altamente provável que já existam mais informações sobre o assunto, mantidas guardadas alegando não quererem causar pânico na população. A História nos conta que essa é uma prática comum de manutenção de poder.

Tudo ainda é especulação. Mas é possível que, quando for mais velho, novas revelações e novos acontecimentos revelem esse mundo fora do nosso ovinho. Se isso ocorrer, tenha serenidade, analise com critério, mas não feche sua mente para novas eras de conhecimento, que chegarão, mais cedo ou mais tarde. Se nossos amigos de fora do planeta estão aguardando alguma coisa para se apresentarem com mais força, certamente ela passa pelo aumento do nosso nível de consciência do Universo. Comece com você.

domingo, 25 de outubro de 2015

Ante os vulneráveis

Filho, a conduta de bem pede sensibilidade para saber lidar com as vulnerabilidades dos outros, em especial se sua posição for de ascendência sobre eles (dependência da parte deles) naquele instante.


Existem profissões, filho, que lidam com relações de vulnerabilidade diariamente:
  • Um psicólogo frente ao paciente
  • Um médico frente ao doente
  • Um professor frente ao aluno
  • Um assistente social frente ao atendido

Em todos os casos, há desigualdade de equilíbrio ou de maturidade emocional levando à fragilidade e à dependência. É absolutamente necessário que você identifique essas situações de imediato porque elas requerem responsabilidade maior do que o normal da parte mais forte.

É comum, por exemplo, que uma aluna se apaixone por seu professor. Mas não é normal, não é ético, não é aceitável, que um professor, principalmente enquanto exercendo sua profissão, permita que isso se torne um romance enquanto permaneça a relação professor-aluno.

Se isso existe em relação às profissões, também não escapa das situações cotidianas. Às vezes, nas relações sociais, entre conhecidos, uma piada mal contada ou uma brincadeira de mal gosto pode deixar alguém vulnerável. Detectando o ocorrido, saiba pedir desculpas na hora se foi você o causador e proteger responsavelmente se não foi.

Tudo isso adquire alto grau quando se trata de uma criança frente a um adulto. É seu dever - inclusive legal - zelar pela proteção das crianças e adolescentes, defendendo-os até mesmo de seus pais, se for o caso. Se se aproveitar da vulnerabilidade de um adulto em situação de fragilidade denota falta de caráter, quando isso atinge uma criança ou adolescente, torna-se criminoso, inaceitável, repugnante.

Por fim, observe a forma como lida uma pessoa com os vulneráveis a ele. Isso é um indicativo quase certeiro de seu caráter.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Radicalismos

Filho,

O mundo já passou por diversos períodos de radicalismos, em todas as áreas: o religioso, com a interferência de seitas na vida social e civil; o político, com os governos totalitários; o econômico, com tentativas de manter à força sistemas econômicos fracassados; etc.


Na língua portuguesa, radical é aquele "ligado à raiz", "preso à raiz". Sua imagem, pela própria etimologia da palavra, é, portanto: um vegetal bem pequeno, sem frutos, mas firmemente enraizado em seu próprio cadinho de terra, de ideias, enquanto o mundo se movimenta, gira, troca, evolui.

São características gerais do radical:
  • inseguro: quem é seguro da veracidade, da sublimidade de uma ideia, não tenta impô-la - trabalha com argumentos e não com violência;
  • surdo: possui grande dificuldade em ouvir, principalmente a ponderação oposta; quando o faz, é sem interesse genuíno, quase com deboche;
  • nervosinho: aparenta ter temperamento forte e não raro fala alto, mas sempre de forma contundente. É um disfarce para a insegurança, para evitar ser questionado;
  • contrário ao diálogo: foge do diálogo franco porque normalmente sua posição não suporta 5 minutos de argumentos medianamente sólidos. Sua estratégia: desqualificar o oponente, deixando o público acreditar que discutir com ele é perda de tempo.

Você está sendo criado em um celeiro de diálogo franco, de respeito à diversidade, de construção de ideias, de liberdade com responsabilidade. Eu e sua mãe o criamos assim para você porque são valores nos quais nós acreditamos. Mas cuidado: esta não é a realidade do país em que você nasceu.

O radicalismo é filho da vaidade e da preguiça e pai da ignorância.

Por isso, como qualquer país socialmente subdesenvolvido, o Brasil é celeiro ideal para o nascimento dos radicalismos, já que, em geral, aqui se estuda pouco e se tem preguiça de se aprofundar nas questões importantes. Somos formados por "comentaristas de manchetes". Os próprios radicalismos, por sua vez, proliferam a ignorância porque necessitam dela para se criar. É um ciclo vicioso.

Quer ajudar o mundo a se livrar dos radicalismos? Combata em si mesmo qualquer tendência radical, dando espaço e analisando sem preconceito o contraditório e dedique-se a educar a população de alguma forma com foco no espírito crítico saudável para a construção de ideias reais pelas quais valha a pena lutar, com equilíbrio.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Escada

Filho, hoje eu estava descendo uma grande escadaria no centro da cidade, quando percebi que dali poderia nascer uma reflexão importante para deixar para você.


Normalmente as pessoas gostam de agir na vida ... ou ... olhando longe demais e perdendo o caminho ... ou ... olhando perto demais e perdendo a meta. Onde o meio termo? Na escada!

Ao descer uma escada, você olha primeiro para o fim dela para te dar o sentimento do todo. Durante esse tempo, você não começa a descê-la. Estuda alternativas de rota (se houver), procura um ponto de apoio (corrimão) - enfim, planeja sua descida (o previsível), às vezes em segundos.

Encerrada essa etapa, você tira os olhos da meta e mira apenas o próximo degrau. Sua atenção agora não está mais no longe, mas no imediato, para garantir uma boa execução do que foi planejado. Pisa firme no próximo degrau antes de deixar o anterior, certifica-se sempre de estar com seu ponto de apoio funcional, observa o entorno para não haver choques com outras pessoas (o imprevisível).

Quando quiser atingir um objetivo, desça uma escada. Pare, olhe, planeje o previsível; quando for andar, olhe para o próximo passo e lide com o imprevisível com tranquilidade e continuidade. Em poucas palavras: pense grande, mas aja pequeno.

domingo, 18 de outubro de 2015

Temperança ao falar

Filho, em algumas coisas não é possível voltar atrás. Há um ditado que cita três: a flecha atirada, a palavra dita e a oportunidade perdida. Delas, a palavra é a que mais se tem controle.


Cuidado, filho, ao falar, principalmente quando aquilo que disser for ferir alguém, em especial alguém de quem você gosta. Não importam os motivos, uma vez proferida, a palavra que fere o coração do outro deixará lá durante um bom tempo uma marca e você terá que lidar com ela.

Se achar que machucou alguém erradamente pela força da palavra, siga esses três passos:
  • arrependimento: refaça os passos que deveria ter seguido para conseguir passar sua mensagem sem ofensa ao outro e se comprometa consigo mesmo a percorrê-lo no futuro;
  • retratação: peça desculpas de forma direta, sem procurar se justificar. "Queria te pedir desculpas porque fui rude com você e não queria ter sido. Não vai acontecer novamente".
  • reparação: se sua palavra causou algum prejuízo ao outro, tente reparar o erro, fazendo o oposto do que causou. Caso não seja mais possível, escolha alguém que precise daquele gesto e o doe em intenção àquela outra pessoa ofendida, sem dizer uma palavra.

A destemperança do falar, meu filho, mesmo a título de "desabafo" ou "revide", é como um prego que fere uma madeira. É possível depois identificá-lo, retirá-lo e até tapar o buraco com alguma massa, mas a fragilidade ficará e um dia a madeira poderá se quebrar de ter que ter aguentado tantos pregos fincados. Não permita que chegue a esse estado alguém que você ama, porque você perderá essa pessoa, às vezes definitivamente. Por isso desejo te prevenir.

Por fim, não confunda temperança com omissão. Fale o que precisa ser dito, mas seja gentil e veja, das palavras, quais realmente servirão ao outro e jogue fora as que apenas servem ao seu ego (você verá que normalmente são a maior parte).

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Professor

Filho, você possivelmente ouvirá que todas as profissões são igualmente importantes. Não são.


Existem 3 gêneros de profissões, por grau crescente de valor para a sociedade:

1. Burocráticas e especulativas: não geram nada, promovem na sociedade uma paralisia inútil. A imagem é a de um parafuso brilhante que roda em falso: dá a ilusão de que apóia, mas só ocupa espaço. São as mais valorizadas financeiramente e dão a isso muita importância.

2. Produtivas: sustentam o presente, garantem a continuidade da sociedade. A imagem é de um parafuso fosco e firmemente fixado. São medianamente bem pagas.

3. Educativas: constroem o futuro, viabilizam a evolução da humanidade, mostram novos horizontes de transformação. A imagem é de um novo furo na parede para novos pontos de apoio, que não aparece, mas sem ele não é possível fixar parafusos. São mal remuneradas mas não desistem por isso.

É natural que uma sociedade viciada, obliterada, alienada, remunere melhor o que aparece mais, não o que contribui mais. 

Ainda estamos em um grau muito primitivo de desenvolvimento e visão em relação ao que realmente importa.

Hoje, dia do professor, é uma oportunidade para repensar nossas prioridades, nossas atitudes em relação aos que contribuíram para sermos o que somos, o que sabemos.

Agradeça aos seus professores. E abrace sua mãe.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Observar, decidir, agir

Filho, tudo o que já li e vi até hoje de material motivacional, de auto-ajuda, de desenvolvimento pessoal ou corporativo é muito parecido e pode ser resumido nesses 3 passos: observar, decidir e agir.


Observar com atenção, com a cabeça e com o coração, sem julgamento, desarmado, por mais diferente que possa ser de tudo o que você conhece. Às vezes o principal objeto a ser observado é você mesmo.

Observar algo que merece mudança e não decidir é deixar-se levar pela força da preguiça mental, do preconceito, do comodismo. Essa primeira barreira responde por boa parte do imobilismo, da inércia do mundo.

Decidir com coragem, com plano e metas realísticas. Ver-se melhorado é mais da metade do caminho, mas é preciso que essa visão saia do campo do mero desejo abstrato.

Decidir sem agir é permitir-se arrastar pela força do medo de ser julgado.

Agir com persistência. A ação é a coroação, a completude da mudança que se quer.

O segredo é fazer isso com coisas pequenas, uma por vez, sem pressa. Mas já, hoje, com o que te incomoda pouco, com o que está à mão. Uma vez começando, saindo do zero, haverá uma realimentação, porque mudar a si mesmo e mudar o mundo são posturas viciantes.

Comece.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Momentos

Filho, momentos são gotas da eternidade que caem, escorrem e se vão. Permita-se deixar molhar por essas gotas. Tente não deixá-los simplesmente passar, alegando querer se abrigar do sofrimento.



Conecte os momentos como as gotas da chuva fazem desenhos no vidro. Dê a eles significado.

Perdê-los não significa que você não será feliz, mas aproveitá-los certamente o tornará mais sábio.

sábado, 3 de outubro de 2015

Saudade

Meu filho, a palavra "saudade" é uma das mais difíceis de traduzir para outras línguas. Nem as línguas românicas, de mesma raiz latina (italiano, espanhol, romeno, francês) possuem palavra com significado igual. Ela carrega uma ideia igualmente única.


Difícil definir saudade. Saudade é personalíssima. Ninguém sente saudade igual ao outro. Melhor dizer o que não é.
  • Saudade é mais do que sentir falta. Por isso, perante ela, são pobres as expressões "Je te manque" em francês, "I miss you" em inglês ou "Te extraño" em espanhol.
  • Saudade não é nostalgia. A saudade não traz o desejo de viver o passado, mas de vivenciar no presente a essência boa desse passado.
  • Saudade é mais do que sentimento de posse. Por vezes, ela pode até ser vinculada ao oposto: ao altruísmo.

A saudade é capaz de ultrapassar as barreiras do tempo e das imperfeições dos outros para se fixar na essência mesmo daquela pessoa, que ela é capaz de amar. A saudade não esquece os problemas, mas coloca-os num nível de importância menor em relação àquilo de que se tem saudade.

A saudade às vezes nos toma de assalto, outras vezes cozinha lentamente nosso coração. Às vezes ela dói, outras vezes conforta. Ora faz meditar, outras agir, mas sempre incomoda. Não é possível ignorá-la, porque ela tem acesso irrestrito a nós. Ela é parte de nós.

A saudade nos conecta com quem fomos na ocasião de que temos saudade, quem somos hoje e quem seremos no futuro. A saudade nos impulsiona, quando bem utilizada.

Te sugiro, portanto, filho:
  • Respeite a saudade. Ela é uma legítima expressão do amor.
  • Não deixe que a saudade te congele. Ela não foi feita para isso. Deixe que ela te impulsione e faça você agir.
  • A saudade não pode ser contínua. Ela pode te assaltar por segundos, minutos. Se ela se prolongar tempo demais, não é mais saudade - pode ser depressão.
  • Às vezes construir o bem de que se sente saudade em outra situação (com outra pessoa, em outro tempo, etc) faz com que você amenize a saudade, se ela doer.
  • Viva! Construa um presente brilhante para que você tenha do que sentir saudade no futuro.
  • Construa com os outros momentos únicos. O amor genuíno que plantar florescerá em saudade nos corações alheios e essa saudade te conectará para sempre com eles.

Sinto saudade sua porque te amo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Igualdade, Liberdade, Fraternidade

Filho, a Revolução Francesa, no século XIX, cunhou a tríade: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". A própria República Francesa e outras instituições depois a adotaram como lema. Mas o que ele traz de ensinamento que possa ser útil à nossa vida?


Veja: cada uma das bases do tripé regula as duas outras. Por exemplo:
  • A igualdade sem liberdade é falsa.
  • A fraternidade sem liberdade é seletiva.
  • A liberdade sem fraternidade é a selva.

A igualdade é um estado interno muito mais do que um regramento jurídico. Atenção: a igualdade não é ignorar as diferenças em capacidades, em aptidões (inteligência, sentimento, vontade, etc.) que existem entre as pessoas. Não! Isso é cegueira e hipocrisia. É entender verdadeiramente - o que significa, de verdade mesmo - todos os homens com a mesma essência e reverenciar essa essência, no bom como no mau, no obtuso como no culto, no fechado como no aberto, etc. Como consequência direta, nasce o reconhecimento dos direitos e deveres básicos comuns a todos. Evite integrar instituições, organizações, que pregam a igualdade, mas que na prática segregam - a elas se aplica a frase de George Orwell em A revolução dos bichos: "todos iguais, mas uns mais iguais que outros".

Coloco a igualdade antes da liberdade - ao contrário do lema da Revolução - porque não entendo possível haver verdadeira liberdade se as pessoas não se enxergam iguais. Na ordem das coisas, busque antes a igualdade e a liberdade será consequência natural. Cuidado: liberdade não é libertinagem - ela precisa estar mesclada com o respeito para que tenha limites. Liberdade não é fazer tudo o que se deseja: é pensar tudo o que se deseja, discutir tudo o que é importante e fazer tudo o que é útil a todos. Fazer o mal não é liberdade, é falta dela para o outro.

Com igualdade e liberdade, forma-se a o espírito de coletividade. Viver coletivamente, apoiando-se, gera no coração do povo o sentimento de fraternidade, de irmandade. É a coroação e a garantia da perenidade e da força desse ser coletivo. Atento: fraternidade não se força e precisa ser dosada com a prudência, da mesma forma que se faz com irmãos de sangue: ela não pode existir para criar ou manter privilégios. A melhor maneira de converter o dever em prazer é convidar o coração para integrar o barco do progresso através da fraternidade.

Vendo os outros como iguais, respeitando-os e abraçando-os você contribuirá para a construção de um mundo melhor. "Egalité, Liberté, Fraternité".

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Política

Filho, a política nasceu na Grécia e era a arte de dialogar entre as cidades (polis) que compunham aquela nação. O exercício da política era, portanto, altamente enobrecedor e patriótico, destinado a unir, pelo consenso, em prol de um objetivo superior.


Em geral, hoje não é mais assim: degenerou-se, pela nossa própria inferioridade intelectual e ética, na ciência da manipulação. Se antes a política tinha uma missão maior, hoje ela busca se justificar por si só: a busca e a manutenção do poder são razões suficientes. Para isso, não há escrúpulos, princípios nem medos: tudo é válido, de mentiras a assassinatos, passando, obviamente, por frequentes e vultuosos desvios de dinheiro público. Os políticos inescrupulosos se aproveitam da ignorância do povo, que eles próprios fazem questão de perpetuar, para prometer coisas impossíveis e enganar, roubar, humilhar o povo simples que é levado a confiar neles. Eu os considero o fundo do poço da decadência moral do planeta, a parte mais podre e suja de nossa humanidade.

Mas eles morrem - queiram ou não, eles morrem. E, embora tentem infiltrar seus filhos, netos e asseclas mais jovens para que repitam seus gestos detestáveis, queiram ou não também uma nova geração nasce e se desenvolve no seio da boa educação, silenciosamente, longe de seus olhos e de suas mãos. Não uma "nova geração" apenas em idade, mas em ideias. Uma geração mais conectada, mais cidadã do mundo, mais consciente e, portanto, incompatível com os vilipêndios que esses abutres têm imputado a toda gente honesta no mundo por tantos anos.

Sugiro, em termos de política, que você:
  • Não faça da política jamais uma profissão para que você não dependa de uma posição sobre a qual você não tem controle (por exemplo: de votos) para sobreviver.
  • Seja um ser político, independente de estar ou não formalmente na política. Envolva-se nas questões de sua cidade, de seu país, da humanidade. Não seja alienado para que não seja mais massa de manobra.
  • Dedique uma parte de seu tempo a educar, da forma que for. Só há uma coisa que faz tremer um político desonesto: o conhecimento do povo, que o faz agir.
  • Procure um grupo ético e com uma ideologia claramente mostrada a todos. Detectando desvios aos próprios princípios do grupo, proponha a retirada dos elementos dissonantes ou, caso não seja feita, desligue-se imediatamente.
  • Em um pântano totalmente contaminado, as botas devem ser grossas e não podem ter furos. Não comece, não aceite, não admita qualquer desvio ético no exercício da política. Nenhum. Basta uma única porta de entrada no caráter para que a podridão te corroa por dentro.

Você, meu filho, pode fazer parte desses novos ares do planeta! Pensar no ser político como pensavam Platão e Aristóteles é resgatar a essência mesma da vida útil em sociedade, com honestidade, seriedade, trabalho e objetividade visando o bem comum. O caminho é longo e pedregoso, mas pode esconder felicidades imensas em saber-se útil a todos e ajudar a mudar a face do mundo.

sábado, 26 de setembro de 2015

Saber pedir

Meu filho, todo mundo está sempre pedindo alguma coisa para alguém. Vivemos num mundo de pedintes mais do que de executantes, o que significa que é matematicamente impossível realizar os desejos de todos. Isso nos leva à questão: será que sabemos pedir ou nos viciamos em pedir tudo?


Na mitologia árabe pré-islâmica eram retratados seres sobrenaturais, chamados gênios (jinn), espécies de deuses capazes de interferir na vida humana, para o bem o para o mal, e que realizavam desejos. Os desenhos animados infantis Shazzan e Alladin mostram de forma bem humorada essas figuras. E normalmente a realização dos desejos concedidos pelo gênio é desastrada exatamente porque quem pede não necessariamente sabe pedir.

Não importa se você acredita em um ou mais seres sobre-humanos ou apenas na relação entre as pessoas, calibrar o que e como se pede é essencial para que consiga atingir os objetivos que tem.
  • Não peça algo que você pode conquistar. O conquistar é, o mais das vezes, mais valioso do que a conquista em si, como para o viajante o caminho que pode ser mais útil do que o destino. Peça força para caminhar.
  • Peça o que você precisa. Nem sempre o que desejamos é o que necessitamos.
  • Não peça o que o outro não pode ou não tem para dar. Isso só causará constrangimento.
  • Seja simples e objetivo. Pedido complexo embute alta chance de frustração.
  • Aceite o que receber em resposta. O que for. Avalie se não é algo ainda mais útil e necessário do que aquilo que você tinha pedido originalmente. A vida traz essas surpresas às vezes.

Por fim, cuidado com o que você pede - você pode ser atendido!

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Ser / Estar

Filho, em inglês, em francês, em alemão e em muitas outras línguas não há distinção entre os verbos "ser" e "estar". A língua portuguesa (e a espanhola) é muito rica também nesse ponto, estabelecendo uma importante diferença entre os dois conceitos, que você deve transportar para a sua vida.


Você diz que ESTÁ em casa ou É em casa? Ninguém tem dúvida de responder que está em casa, porque tem a perspectiva de, alguma hora, sair de casa ou, mesmo que não tenha, sabe muito bem que a casa não é uma condição dele. Você diz que É alto ou ESTÁ alto? Normalmente quando se é criança, o verbo é o estar - "nossa, como ele está alto!" -, enquanto que quando adulto usa-se o ser - "ele é bem alto!", porque quando adulto você não espera crescer mais.

A diferença entre os verbos, portanto, é a transitoriedade, ou, de outra forma, a impermanência. 

Essa é uma questão antiga na Filosofia: já em 500 a.C., dois filósofos gregos - Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia - divergiam frontalmente sobre a mutabilidade do ser. Heráclito dizia que tudo era ESTAR: "ninguém se banha duas vezes no mesmo rio" (a água do rio é outra, você é outro, o momento é outro); Parmênides, ao contrário, dizia que as mudanças eram ilusões e tudo era SER, uma essência unitária, imutável, perfeita. Mas será que não há entre eles um ponto de equilíbrio?

Em nós, filho, há uma parte que consideramos condição transitória, externa, e outra que consideramos imanente, parte de nós, que nos define. As pessoas têm limites diferentes para as duas coisas e isso diz muito sobre elas. "Eu SOU juiz" vs. "Eu ESTOU juiz / Eu TRABALHO como juiz" são frases completamente distintas. O primeiro acha que ele e um juiz são a mesma coisa sempre - quando ele toma banho ou faz cocô ele continua sendo juiz; o segundo separa a sua essência da sua profissão. Isso pode ocorrer em nível ainda mais profundo: "Eu SOU mulher" vs. "Eu ESTOU mulher". A primeira abordagem entende que a condição de mulher é permanente, que define sua essência; se a pessoa for, por exemplo, reencarnacionista, pode entender que essa essência ora se manifesta como homem ora como mulher, então ela está mulher - amanhã poderá estar homem.

Quem É não precisa se mover; quem ESTÁ tem para onde melhorar.

Como regra geral, medite:
  • Pergunte-se sempre quem você É. Sempre que achar uma resposta, antes de aceitá-la, pergunte-se se você não pode apenas ESTAR assim e reavalie, se for o caso.
  • Sua profissão não é o que você É. Sua condição social não é o que você É. Suas características orgânicas não são o que você É.
  • O outro que está interagindo com você também, em algum grau, É. Procure enxergar essa essência no grau de profundidade que ele se coloca e dialogue o mais próximo possível da essência e o mais longe possível da transitoriedade de sua manifestação.

A estrada para ir do PENSAR SER para o SABER ESTAR encontra-se resumida na máxima de Tales de Mileto: "Conhece-te a ti mesmo". Percorra-a com paciência e sabedoria, meu filho. Ela te levará à sua própria libertação e, no fim dela, você encontrará alguém que te espera há muito tempo: você.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Chilique

Filho, nem todas as pessoas possuem o mesmo grau de educação, de respeito e de civilidade. Algumas acham que o mundo deve servi-las e não se conformam quando isso não acontece. É quando elas dão chilique, faniquito, fricote, piti, surtam ou ficam histéricas - chame como quiser.


Eu criei um protocolo muito pessoal para lidar com esses rompantes e gostaria de compartilhar com você para que aproveite o que achar bom.

Todo mundo tem direito a um chilique por ano. Nesse primeiro faniquito,  respondo em particular, com toda a educação, entendendo que pode ter sido um momento de descontrole passageiro por motivos sérios e que não devo afligir quem está aflito. A partir do segundo piti no mesmo ano, a história é diferente. Passa de um fato isolado a um comportamento e precisa ser controlado. Para esses casos:
  • Use o mesmo fórum em que foi interpelado.
  • Permaneça calmo.
  • Se você errou, peça desculpas logo no início. Se não errou, não peça, não se justifique.
  • Fale baixo, firme e pouco, sem grosserias ou ofensas.
  • Olhe nos olhos de quem deu o chilique o tempo todo.
  • Deixe clara sua reprovação ao fricote independente do mérito do assunto.

É preciso que você deixe evidente, filho, de uma forma civilizada, que não é tolerante com pitis e que condena essa forma de comunicação. Uma posição morna fará com que os outros tenham a falsa sinalização de que você está disposto a ouví-los a toda hora. Não deixe que façam seu ouvido de penico.

Sendo sóbrio e firme perante os faniquitos alheios, todos entenderão que você busca, clivilizadamente, o equilíbrio e o resultado útil, e te respeitarão por isso. É claro: não se esqueça que para fazer isso tudo, você mesmo não poderá dar chiliques. Para você, a tolerância deve ser zero por ano.