À guisa de introdução


Este é um espaço de coleção de pensamentos para meu filho Antonio.

Categorizei as postagens por fase da vida em que imagino que serão úteis a ele, divididas em períodos de 7 anos. Assim, onde estiver marcado "1setenio" são para de 0 a 7 anos, "2setenio" para 7 a 14, e assim por diante.


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Desproporcionalidade

Filho, há uma cena engraçada no filme Robocop 2, da década de 1990, que uso para começar nosso assunto de hoje: após receber nova programação, o policial-robô começa a ser amável com bandidos armados e extremamente duro com pequenos delitos. A imagem abaixo é de um cidadão alvejado por muitos tiros em torno de sua cabeça por fumar em local proibido, antes de ouvir a frase que ficou famosa: "Obrigado por não fumar!". Esse comportamento caricato parece estranho para você? Pois é, meu filho: muitas vezes vemos e fazemos o mesmo no nosso dia-a-dia.


A proporcionalidade é um princípio fundamental do Direito: uma punição precisa ser coerente com o crime cometido. Quantas vezes nós, por vergonha, por preguiça ou por medo não deixamos claro que não gostamos de certa situação, reagindo apenas genericamente? Por outro lado, quantas outras vezes, por nervosismo, por impaciência, somos desnecessariamente duros em supercastigos por coisas que nem são tão graves assim? Qual é a consequência de cada um desses comportamentos?

O excesso de permissividade gera repetição, seja por falta de entendimento de quem errou e te chateou, seja por certeza da impunidade. Você não gostou de algo que alguém falou e, ao invés de deixar isso claro, fecha a cara. Ou alguém tem comportamento inadequado no ambiente de trabalho e você nada diz diretamente para não "criar inimizade" - ao invés disso, faz comentários genéricos, aqui e ali. Você acha que os outros têm obrigação de "entender seus recados"? Não têm. Aí você cria outro problema que você não tinha: lidar com sua própria frustração por não ter sido "ouvido", sendo que, na verdade, nem sequer falou nada. Todo mundo perde.

O outro lado é quando sua reação é muito mais forte do que a ofensa. Às vezes essa desproporcionalidade se dá no mérito (atribuindo uma gravidade inexistente), mas a maior parte do tempo está na forma de se falar. Nesse caso, o resultado é o afastamento do outro. Ao invés de corrigir o erro, você amedronta e faz com que a outra pessoa entre na defensiva e passe a nem sequer acertar contigo mais, porque terá pavor de ouvi-lo e ser surpreendido por mais uma injustiça ou grosseria, no caso de errar novamente. Você não precisa atirar em quem está só fumando.

Considere, como no Direito, atenuantes e agravantes:
  • Se não há dolo, ou seja, se o outro fez algo sem intenção de maldade, sua reação deve ser verdadeira, assertiva, mas compreensiva, amigável. A secura, a frieza só se aplica ao dolo.
  • Se seu "criminoso" é réu primário, pode ser que desconhecesse por completo que cometia um crime contigo (cada pessoa tem suas "leis" próprias - o que é ofensa para um não é para outro). Leve isso em consideração e não seja rude com o réu primário. Ele precisa mais de esclarecimento e conhecimento do que de punição.
  • Em especial se a intenção do "contraventor" era brincar e a pessoa apenas foi infeliz, leve isso em conta também. Normalmente só se brinca com quem se gosta. Ele só precisa entender os pontos sensíveis sobre os quais você não gosta de brincadeira. Se você o punir muito exageradamente, ele começará a ter muita reserva para voltar a brincar com você, tornando sua relação com ele pobre, formal, distante, sem espontaneidade, fria, e o bem-querer entre vocês pode morrer de inanição. Certamente não é isso que você quer.

Por fim, não vomite em uma pessoa seu nervosismo com outras pessoas ou coisas. Se quiser desabafar com alguém, faça isso numa conversa, jamais numa punição desproporcional. A medida de toda ação, premiação ou punição, precisa ser tomada na exata conta do caso concreto. Não há justiça sem razoabilidade e não há razoabilidade sem proporcionalidade.

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